Uma pessoa disse-me algo um tempo atrás que me fez pensar profundamente. Ela reclamou que, quando conversávamos, eu me estendia demais nas minhas falas, o que, em resumo, tornava dialogar comigo muito chato e cansativo. “Por que você não pode ser como todo mundo, que fala um pouco, escuta um pouco…?”. Não pense que fiquei ofendido, muito pelo contrário. Foi boa a exortação. Diante da perspectiva de eu ser um chato, repetitivo e tagarela, alguém com quem dialogar é uma atividade incômoda, me pus a refletir muito sobre isso. Se preciso, renovaria minha mente, seguindo o conselho de Paulo. Minha conclusão é que ela tem razão: eu não sou como todo mundo nesse sentido, porque o meu conceito sobre diálogo é bem diferente do que prevalece majoritariamente na nossa sociedade. Pois formei a minha maneira de me expressar e dialogar essencialmente a partir de certos tipos de leituras realizadas desde a primeira infância e pela convivência com uma família (em especial minha mãe e meu irmão) que tem por hábito expor seu pensamento à moda antiga. E, por tabela, no meio de minha reflexão, cheguei à conclusão que a forma com que estamos habituados a conversar acaba influenciando absurdamente nossa relação com Deus. Sabendo que vivemos numa sociedade relacional e que nossa fé exige relacionamento, esse assunto não concerne só a mim, mas a todos nós. Para expor minhas reflexões, terei de desenvolver um raciocínio a partir do pensamento filosófico. Mas vamos por partes e devagar.
Meu conceito de diálogo é velho, ultrapassado, totalmente fora de moda – eu reconheço. É baseado na antiga forma de se conversar, e põe antiga nisso. Se você lê livros como “A República”, de Platão, vê nitidamente como transcorriam as falas nas sociedades que nortearam a construção da civilização em que vivemos. Na Grécia antiga, berço da filosofia que influenciou absolutamente tudo no nosso mundo atual, as pessoas apresentavam seus pensamentos em exposições nada curtas. Eram falas com começo, meio e fim, um encadeamento de ideias necessário para conduzir quem ouvia do ponto inicial até o ponto em que se desejava chegar. Ia-se do “A” ao “Z” percorrendo todas as letras. Tendo dito o que era necessário (e a que os demais escutavam atentamente), passava-se a vez para o outro, que pegaria tudo o que ouviu e elaboraria em cima. É o que se chama “dialética”. Não é à toa que a retórica era extremamente valorizada na cultura de Sócrates, Aristóteles e outros pilares do pensamento ocidental. É como funciona a maiêutica socrática (o método de diálogo de Sócrates). As pessoas de fato ouviam, atentas e interessadas. E, visto que ouviam, seus interlocutores conseguiam expor suas ideias sem pressa, em raciocínios bem elaborados e desenvolvidos. Falava-se com conteúdo. Ouvia-se com atenção. Aprofundava-se nos assuntos. Isso está claro em qualquer escrito daquela época (como em “Diálogos”, do mesmo Platão, que não recebeu esse nome a troco de nada). Não me admira que os gregos tenham sido o que foram: eles ouviam. Pensavam. E então respondiam. Sem pressa. Com conteúdo e solidez. Os diálogos eram tão extensos e bem embasados que uma única conversa ao redor de uma mesa rendia um livro (é o caso do já mencionado “A República”).
Pulemos cerca de 2.400 anos. Chegamos aos nossos dias, a era pós-moderna. Somos influenciados por uma filosofia chamada existencialismo, formulada no século 20 por pensadores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, segundo a qual o indivíduo é a medida de todas as coisas. Em resumo, o existencialismo e a pós-modernidade põem o “eu” como ponto de partida para todo o resto. Importa é o que eu penso, a minha visão das coisas, cada um tem a sua verdade… e por aí vai. Naturalmente, ao homem pós-moderno importa o que ele diz, muito mais do que o que o outro tem a dizer. Consequentemente, não temos muita paciência para ouvir.
Se você prestar atenção, a absoluta maioria das pessoas de nossa cultura só quer falar e não tem longanimidade, tempo ou vontade para escutar. Como alguém já disse, “as pessoas não ouvem mais, apenas esperam a sua vez de falar”. Então, a pós-modernidade conseguiu substituir a forma socrática de dialogar (paciente, atenta e interessada) por um jeito de conversar afobado, ensimesmado, sem paciência de ouvir, de frases curtas e rápidas. Dialogar deixou de ser um escutar para depois falar e tornou-se um ping-pong de ideias, que nos faz apenas raspar a superfície dos assuntos, uma vez que não há como se aprofundar em nada se você não consegue desenvolver um argumento do começo ao fim. Queremos o abecedário, mas quando chegamos à letra “E”, “F”, o outro já te interrompe, impaciente. Nunca conseguimos chegar ao “Z”. Logo, cria-se uma sociedade de relacionamentos superficiais, incompletos, distorcidos. Vivemos na tensão superficial da vida. Abandonamos as regiões abissais do ser.
Ou você acha que é à toa que twitter e Facebook fazem tanto sucesso? Ou você acha que é à toa que buscamos respostas teológicas sobre profundas questões espirituais em curtos posts de blogs em vez de em livros com 400 páginas? Ninguém mais tem paciência de ler textos longos. Queremos resolver nossas questões em 140 caracteres ou em uma foto com uma frase de efeito. Queremos conversar digitando em MSN e no What’s App da vida, pois aí as frases podem ser curtas, o “diálogo” é p/vc v q td tem q ser rápido. Sprfcial. Queremos encurtar, queremos rapidez.
Na antiga Grécia, as pessoas iam às ágoras (um tipo de anfiteatro), como o Areópago em que o apóstolo Paulo dialogou com os atenienses, onde expunham seus pensamentos por horas. Eram ouvidas. Os demais refletiam. Por fim respondiam. Naquela época isso era valorizado, encorajado. Hoje é impensável. Basta ver, por exemplo, os debates de candidatos à presidência na TV, em que futuros governantes de toda uma nação têm míseros segundos para expor toda uma proposta sobre como liderar a sociedade em determinada área – um total absurdo. Nosso diálogo tem de ser à velocidade da luz. Frases curtas sobre frases curtas. E acabamos nos entendendo mal e perdendo a profundidade das ideias.
Se as pregações de nossos pastores fossem, em vez de solilóquios, diálogos ao estilo de nossos dias… a igreja acabaria. Pois pregador nenhum conseguiria expor nada. O pensamento não fluiria. “O senhor está sendo repetitivo, pastor, dá pra encurtar?” Se Jesus fosse dialogar, da forma que dialogamos hoje, no Sermão do Monte, por exemplo, ele não ocuparia três capítulos da Bíblia, mas três versículos. Fico imaginando o Senhor dizendo “Bem-aventurados os…” e seus interlocutores o interrompendo: “Ah, Jesus, como o senhor se estende! Não dá pra resumir não? Tá repetitivo, já falou um monte de vezes que tem gente bem-aventurada, vamos adiante, pode ser?”.
Nesse sentido, preciso fazer meu mea culpa: me considero um estranho a este mundo pós-moderno. Vejo o nosso modelo atual de diálogo como superficial e egoísta. Raso. Não ouvimos mais. Na verdade, não queremos ouvir, pois só queremos falar. Não nos interessamos por pensamentos desenvolvidos em minúcias, com pormenores, isso nos cansa. Queremos a superficialidade do tipo de conversa daqueles programas acéfalos de debate sobre futebol. Desejamos ideias prontas. Curtas. À la “Anda logo!”.
Sim, nesse sentido não sou como todo mundo. Apesar de todo e qualquer blogueiro com quem já conversei dizer que meus posts precisam ser mais curtos (porque o leitor “não tem paciência de ler textos longos”), eles nunca são. E, confesso, nunca serão. Pois preciso concatenar ideias, é um defeito meu. Não creio que um assunto como este que trato aqui possa ser desenvolvido com a profundidade e a lógica necessárias em três parágrafos. Se os filósofos gregos vivessem em nossos dias, a Filosofia não teria nem nascido, pois ninguém ouviria ninguém, ninguém refletiria e os pensamentos seriam, como são em esmagadora maioria hoje, meras repetições de algo que ouvimos. Não ponderamos. Não refletimos. Não dialogamos com profundidade.
E aqui chego ao aspecto cristão do tema. Estamos tão acostumados a só falar e não ter paciência para ouvir que com Deus isso não teria como ser diferente. Queremos dizer tudo a ele: nossas petições, nossas reclamações, nosso louvor, nossa adoração, nossas ideias, nossa maneira de achar como ele deveria agir e montes de outros “nosso”. Mas ouvir Deus? Como, se nem o próximo queremos ouvir? Se não temos paciência de escutar outros seres humanos, que dirá a voz do Senhor, que exige mergulho nas Escrituras, silêncio e contemplação. Tempo. Paciência. Não temos tempo nem longanimidade para dialogar com o Pai, afinal, o jogo de futebol já vai começar, está na hora da novela e tenho que dar minha passadinha diária no Facebook, onde gastarei horas vendo máscaras da vida alheia. Falamos, falamos, falamos, falamos… e Deus que resuma sua mensagem, pois não temos tempo a perder.
A cada dia que passa, me convenço mais e mais de que nasci na época errada. Gosto do modelo velho e ultrapassado de diálogo. Este modelo atual é horrível. Empobrece. E prejudica o grau de relacionamento e de intimidade que poderíamos ter com o próximo e com Deus. Tiago disse: “Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar” (Tg 1.19). Se você puder, fica a recomendação: ouça mais. E não só ouça: escute. Preste atenção. Sorva. Permita ao outro elaborar seus pensamentos sem pressa. E, só após absorver muito conteúdo, elabore em cima. Você vai encontrar raríssimas pessoas que dialogam dessa forma, então, se você abraçar esse modo ultrapassado de diálogo e relacionamento, acabará tendo um certo grau de frustração e, até mesmo, solidão. Mas, se você conseguir encontrar pessoas raras, que exerçam a antiga arte de dialogar no ritmo das estações do ano e não dos relógios de pulso, agarre-se a elas. Pois você verá como os teus relacionamentos se tornarão cada vez mais profundos.
E, até onde eu saiba, Deus não usa relógio, usa?
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Mauricio