Você já ouviu falar de Gandhi, hindu pacifista que, utilizando a filosofia da não violência, liderou – e conquistou – a independência da Índia. Enquanto os exércitos ingleses vinham com porretes, ele revidava com jejuns, inteligência, bons argumentos e manifestações pacíficas. Gandhi disse: “A não violência nunca pode ser usada como um escudo para a covardia, é uma arma para os bravos”.

Em seus anos estudando na Inglaterra, ele teve contato com o cristianismo. Indagado sobre se a fé cristã não o atraía, ele respondeu que o Cristo sim, mas a incompatibilidade entre os ensinamentos de Jesus e a prática dos cristãos o mantinha afastado. Sobre certo cristão que conheceu, Gandhi disse: “Ele pecava com olhos abertos, e mostrava-me que isso nem ao menos o deixava angustiado”.

Vejo o exemplo e as palavras de Gandhi, um hindu pagão, e os comparo com muitos de meus irmãos e irmãs em Cristo de nossos dias. Por alguma razão bizarra, enorme quantidade de cristãos passou a acreditar que belicosidade é o caminho para as conquistas do evangelho.

Esse ramo da igreja se espelha no péssimo exemplo de líderes cristãos violentos, a quem consideram pessoas corajosas e destemidas. Quanto mais os tais líderes berram, cospem e batem na mesa, mais “ungidos” lhes parecem. Jogam no lixo as virtudes do fruto do Espírito e fazem malabarismos teológicos para justificar agressões e ataques aos “inimigos da fé” como se a agressividade e o ódio fossem virtudes. A Bíblia, para eles, não é centrada na cruz, mas no azorrague de Cristo.

Esquecem dos mártires do Coliseu. Esquecem das palavras de Jesus a Pedro após esse decepar a orelha de Malco. Esquecem do fiasco que foi o uso da violência por cristãos nas Cruzadas. Esquecem do Sermão do Monte. Esquecem de Romanos 12. Esquecem de 2Timóteo 2.24-26. E promovem a beligerância, a agressividade e o confronto como armas divinas contra o que é anticristão. Usam as armas do diabo “em nome de Jesus”.

Não tenho nenhuma esperança de que minhas palavras mudarão o coração desses. Eu não tenho esse poder. Como convencer adeptos da briga, do berro e do confronto de que amor, paz, amabilidade, bondade, mansidão e autocontrole são o DNA da fé cristã se já estão convencidos de que é pela força do muque e do grito que a fé cristã triunfará? Eu não tenho esse poder, só o Espírito Santo tem. Meu discurso, para eles, é piada e motivo de chacota. Sempre haverá argumentos na linha “se um ladrão entrar na sua casa, você vai vencê-lo com gentileza?”. Non sequitur, Gandhi que o diga.

Temo por aonde levará esse tipo de pensamento, que valida a violência e a agressividade “em nome de Jesus”. Virtudes como amabilidade, gentileza, mansidão e pacificação são vistas por esse setor da igrejas como “coisa de mulherzinha” ou de “cristãos afeminados”. Crente bom, para eles, é o que transpira testosterona, soca a mesa e demonstra coragem pelo embate.

Só que não foi isso que Jesus ensinou.

Gandhi, um hindu que pagou com a vida por seus ideais, compreendeu o cristianismo melhor do que muitos cristãos – e enxergou as contradições evidentes da prática que não se apoia no texto sagrado. Sem usar agressividade, derrotou o poderoso império britânico. Os mártires da Igreja primitiva entraram pelos portões da eternidade entregando o pescoço ao aço e às feras, sem revidar. Já os cruzados e inquisidores criaram capítulos vergonhosos da história da igreja porque preferiram a espada e o fogo. E, apesar de tudo isso, ainda precisamos falar dessas coisas em pleno século 21 como se fossem novidade.

Que Deus se apiede de sua noiva e perdoe aqueles que lançam lama sobre o belo evangelho do Príncipe da Paz, o Manso Cordeiro. O pseudoevangelho da brutalidade é escândalo para o mundo – não por sua mensagem confrontar os valores mundanos, mas por ser exatamente igual ao mundo. Por deixar patente que não há diferença no modo de agir desse setor da igreja e o modo de agir do mundo. Só o que muda são as causas defendidas. Os meios são os mesmos: violência, guerra, agressão, ofensas, dedo na cara, confronto.

E isso não é coragem. Isso é pecado. O que me faz lembrar das palavras de Gandhi: “Ele pecava com olhos abertos, e mostrava-me que isso nem ao menos o deixava angustiado”. A história se repete.

No fim, essa é uma questão individual. Só existiram Cruzadas porque, um a um, indivíduos se tornaram cruzados. E, hoje, só haverá guerras santas, “jihads gospel”, se indivíduos se juntarem às fileiras dos apoiadores da violência. No fim, essa será sempre uma decisão individual.

A pergunta que resta é: qual evangelho você apoiará? O dos fiéis mártires pacificadores ou o dos violentos cruzados do berro e do soco na mesa?

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari
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comentários
  1. OSCAR PELISSARI MACHADO disse:

    “A Bíblia, para eles, não é centrada na cruz, mas no azorrague de Cristo”
    Que pérola!

  2. mercy382 disse:

    Creio que Deus o usou para escrever esse texto…
    Há dias estava com uma tristeza, o qual vem me tirando um pouco a paz..
    Ando muito frustrada com as atitudes dos meus líderes… até chorei, no entanto sei que preciso orar mais e pedir um direcionamento ao Senhor quanto ao que fazer, não estou me sentindo bem com as postagens que vejo no grupo da minha igreja, não me identifico, fico sufocada, daí, me pergunto: -será que só eu penso diferente?
    É aliviador ler essas suas palavras, tenha certeza!

    • Olá, Mercy! Entendo plenamente sua angústia, têm sido dias difíceis para os pacificadores. Num meio que tem se alimentado e regurgitado ódio, os amantes do amor sofrem. Olhe para Cristo, pois nele está o verdadeiro exemplo!
      Abraço fraterno,
      mz

      • mercy382 disse:

        Você é canal de bênção, meu irmão!
        Que Deus o inspire mais e mais a escrever aquilo que Ele quer falar aos nossos corações!
        Oro por vc e pela sua família, oro para que mais pessoas sejam alcançadas através do que você escreve e publica.

  3. johnusa10 disse:

    Excelente leitura! A religiosidade nunca foi parâmetro de fé. Quando esteve na terra, Cristo livrou várias pessoas deste tipo de gente: A mulher que seria apedrejada, por exemplo. O amor vence tudo!

    Paz seja convoco! ________________________________

  4. Tito disse:

    Eu deixei para trás da história da minha vida uma igreja onde a leitura do livro Autoridade Espiritual, do Watchman Nee, foi obrigatória. Esse livro deu margem para todo o tipo de abuso espiritual, basta dar uma olhada na internet que pode-se achar muitos depoimentos devastadores, eu mesmo só não fui abusado espiritualmente porque sai, mas era nítido o comportamento debochado do pastor com aqueles que faziam uma simples pergunta: por que? Ele queria que todos consentissem com o que ele queria, inclusive teve uma assembleia em que as pessoas tinham que decidir sobre construir a calçada ou o muro da igreja e ele avisou que era para obedecer o que ele decidisse sem questionar, como se Deus não pudesse usar ninguém além dele para decidir isso. Acho que o dia do juízo será um dia difícil, Jesus avisou que não vai assinar embaixo de tudo que fizerem usando o nome dele. Estou traumatizado até hoje, quase 20 anos depois. Muito deboche e escárnio dentro de uma igreja.

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