Fui convidado para participar, na última sexta-feira, de um programa de debates cristãos em uma rádio, a fim de dialogar sobre o conflito árabe-israelense. Eu era um anão entre gigantes: na mesa estavam os pastores Luiz Sayão (batista), Evaldo Beranger (presbiteriano) e Manassés Brito (assembleiano). E euzinho, ali, me perguntando o que estava fazendo entre gente tão gabaritada. Evidentemente, ao longo do programa surgiram divergências de opinião entre os quatro. Vi Pr. Sayão balançar negativamente a cabeça para algo que eu disse, assim como Pr. Manassés discordou de algo que Pr. Evaldo defendeu, eu não concordei com argumentos que foram apresentados… a coisa foi desse jeito, caminhando entre concordâncias e discordâncias, ao longo de pouco mais de uma hora de mesa-redonda. Como já participo desse programa há mais de dez anos, por experiência sei que, quando há discordâncias entre os convidados, as despedidas ao final são meio constrangedoras. Por isso, assim que o debate acabou, fui cumprimentar os companheiros de mesa já esperando um clima estranho e sorrisos forçados. Mas, para meu alívio, Pr. Sayão apertou minha mão com um sorriso muito sincero no rosto e, me abraçando carinhosamente, disse: “É sempre bom ouvir contrapontos e opiniões diferentes, que nos fazem pensar. Isso é muito importante”. Saí da rádio refletindo sobre o grande homem que é Luiz Sayão: mesmo sendo um dos maiores teólogos e hebraístas do país, não demonstrou nenhuma arrogância, pelo contrário, foi elegante, respeitoso e educado com um mero mortal que ainda tem tanto a aprender como eu. Mais do que um grande acadêmico, ele demonstrou ser um grande cristão. Essa experiência me fez pensar sobre como nós, cristãos, temos lidado com as divergências de opinião. Será que somos amorosos e tolerantes ou do tipo que faz de tudo para impor aquilo em que acredita?
A postura de Sayão é cada dia mais rara. A tendência que vejo crescer no seio da igreja é a de defesas muito agressivas das próprias opiniões. Em outras palavras, temos nos comportado como se divergir daquilo que pensamos e em que acreditamos fosse uma ofensa pessoal, à qual deve-se reagir com força e agressividade, muitas vezes até com sarcasmo e desqualificação de indivíduos (e não ponderações acerca de ideias). Já vi pastores, por exemplo, chamando quem discorda de si de nomes como “trouxa”, “idiota” e “estúpido” – o que é um absurdo incompreensível à luz da Bíblia. A discordância de pensamento tem cada vez menos sido tratada em tons cavalheirescos e cada vez mais como uma afronta. E, na verdade, não é. Discordar é um direito. Mais do que isso, ter quem discorde de nós é um privilégio, porque discordar enriquece pensamentos. Por isso, temos de tratar com extremo respeito quem discorda de nós, sem ataques, sem nomes depreciativos, sem sarcasmos, sem deboche.
Um filósofo chamado Hegel estabeleceu um sistema de pensamento, conhecido como “dialética hegeliana”, que mostra a riqueza que visões diferentes proporcionam: eu tenho uma opinião, você tem outra e, ao confrontarmos os dois pontos de vista, chegaremos a um terceiro, mais rico e elaborado em argumentos. Eu diria que pessoas inteligentes estão sempre abertas a ouvir quem discorda de si, pois, com isso, poderão refletir sobre a coerência daquilo em que creem e, até mesmo, aperfeiçoar suas crenças. Quem sabe, até, perceber que estavam erradas e, com isso, tomar novos rumos. Quando Salomão escreveu “Sem diretrizes a nação cai; o que a salva é ter muitos conselheiros” (Pv 11.14), pode ter certeza de que ele não estava se referindo a conselheiros que vão concordar com você em tudo. Portanto, é bíblico aceitar – e valorizar – a divergência de opinião. Líderes que não sabem ouvir visões diferentes não deveriam ser líderes. Simples assim.
Quem segue a linha da “ditadura de opinião” se comporta segundo a filosofia “quem discorda de mim é meu inimigo”. Ou, no mínimo, considera o divergente como alguém ignorante, sem instrução bíblica, superficial ou qualquer outro adjetivo depreciativo de que você consiga se lembrar. E, com isso, vemos a multiplicação em nosso meio das “obras da carne” que Paulo combateu, tais como dissensões e facções.
Quando falamos sobre dissensões e facções, temos de entender uma coisa: é natural e óbvio que se discorde. Formas diferentes de ver a vida existem desde Caim e Abel – e veja como Caim se comportou. A questão é como se discorda. Quando leio o relato da ida de Paulo a Atenas (cf. At 17.16-34), vejo que ele foi recebido com desdém e ofensas, a ponto de ser chamado de nomes depreciativos, como “tagarela” (v. 18). Sua reação? Ele não ofendeu ninguém, não revidou o tratamento e ainda apresentou suas discordâncias com elogios, como quando disse “Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos” (v. 22). O que Paulo fez foi tratar os atenienses com respeito enquanto apresentava sua opinião divergente. Assim como Luiz Sayão fez ao final do debate. Aliás, isso é o que homens de Deus fazem, sabe?
Vivemos uma época difícil no relacionamento entre a Igreja e a sociedade. Temos sido atacados por ateístas, militantes de causas antibíblicas, pela mídia liberal, por intelectuais existencialistas, por artistas hedonistas… os valores e a ética do mundo enxergam os valores e a ética cristãos como algo pernicioso, que precisa ser combatido. Por isso, o ideal seria que a Igreja estivesse coesa e que enxergasse as divergências internas como secundárias, visto que os diferentes setores evangélicos sérios compartilham da mesma opinião sobre as doutrinas centrais da fé. Nenhum de nós questiona a divindade de Cristo, a concepção virginal, a doutrina do pecado e do perdão, a segunda vinda de Jesus, os dois sacramentos e outros temas indiscutíveis da nossa crença. Mas discordamos em outras áreas de menor importância. Curiosamente – e lamentavelmente – são essas áreas que têm nos afastado e enfraquecido. Assim, arminianos atacam reformados, que atacam os adeptos da missão integral, que atacam a direita evangélica, que ataca os neopentecostais, que atacam… É ataque demais. É desunião demais. E, com isso, temos nos tornado inimigos de nossos irmãos. Caim e Abel. Esaú e Jacó. Raquel e Lia. José e os demais. Absalão e Amnom. Veja o resultado de todas essas histórias e conflitos fraternos e você entenderá o que ataques entre irmãos provocam – inclusive entre irmãos… em Cristo.
Se você é cristão e crê na essência do evangelho, mas diverge de mim em questões periféricas da fé… continua sendo cristão. Continua sendo meu irmão, adotado como filho pelo mesmo Deus que me adotou. Não sou superior a você. Nada me autoriza a falar com você de nariz em pé. Não desejo atacá-lo, ofendê-lo ou tratá-lo como um inimigo. Quem discorda de mim é meu inimigo? Não, não é. Quem discorda de mim apenas está exercendo seu direito de pensar. Se nossas conclusões divergem, busquemos enriquecer mutuamente nossas ideias para ver como podemos somar ao reino de Deus por essa multiplicidade de pensamentos, encontrando áreas comuns e refletindo sobre as que não encontram concordância. Sem isso não existe diálogo. Sem isso como pode o reino de Deus alcançar sua expressão máxima na terra, visto que Jesus afirmou: “Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá” (Mt 12.25)? Dividir o reino é tentar sabotar a cruz.
É hora de nos unirmos. De tratarmos uns aos outros – mesmo os que não concordam conosco – com gentileza, respeito, honra, paz, amabilidade, bondade, mansidão e amor. Só assim cumpriremos a oração de Jesus: “Pai santo, protege-os em teu nome, o nome que me deste, para que sejam um, assim como somos um” (Jo 17.11). O cristão que não age dessa maneira infelizmente conhece a Deus apenas de ouvir falar.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício