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Esta semana fui pela segunda vez a um presídio. Na terça-feira, passei o dia no Evaristo de Moraes, no Rio, unidade prisional que fica dentro do Morro da Mangueira, bem pertinho do estádio do Maracanã. Depois de ter estado lá em novembro passado para fazer uma ministração, recebi novamente um convite da penitenciária para ministrar, desta vez, duas palestras, para 300 detentos. Fiquei lá de manhã até o fim da tarde. Como da primeira vez, foi uma experiência inesquecível. 

Se você nunca foi a um presídio, fica a recomendação: vá. É tão importante passar um dia numa penitenciária quanto passar um dia numa conferência teológica. É algo que mexe com nossa espiritualidade e nos faz refletir profundamente sobre questões centrais da fé cristã, como a extensão do pecado, a possibilidade de arrependimento, a viabilidade da metanoia bíblica, o significado de amor pelos inimigos, perdão, graça. Lá discussões sobre questões como calvinismo x  arminianismo, pedobatismo x credobatismo, cessacionismo x continuísmo e outros temas periféricos da fé simplesmente ficam dos portões para fora. No universo prisional, gastar tempo com debates sobre temas como “o cerne do pensamento de Armínio”, “a epistemologia do ser” e “o que é um reformado” é tão relevante quanto querer ensinar as funções do bóson de Higgs ou discutir sobre as propriedades do top quark. Você não sabe o que é isso? Pois é. 

O choque de realidade é enorme, pois um presídio parece um universo paralelo. Pense em um lugar no coração de uma metrópole em que ninguém tem celular e não existe acesso à Internet. Quem está preso ali há alguns anos nunca segurou um smartphone, não faz ideia do que é whatsapp e não consegue entender que graça tem esse tal de Facebook. Na falta de cursos profissionalizantes, atividades artísticas ou outras iniciativas de enriquecimento epistêmico ou intelectual, num lugar como esse resta às pessoas ocupar o tempo com ações que deixaram há bastante tempo de fazer parte da rotina de muitos que estão do lado de fora: ler e refletir. A biblioteca do Evaristo de Morais é a meca do passatempo dos detentos e tive a alegria de doar livros meus para ela, a fim de serem lidos pelos internos ao longo dos anos que virão. 

Cheguei ao presídio para fazer duas palestras, levando dez exemplares de livros que escrevi para presentear os detentos e, naturalmente, achei que eu é que estava levando algo para eles. Mas, na realidade, eu é que saí de lá enriquecido, principalmente pelas conversas que tive. Vivi momentos incríveis no cárcere. Tive a oportunidade de bater papo com um dos detento sobre – acredite – Nietzsche, Eça de Queiroz e Aldous Huxley. Ouvi histórias de gente presa pelos mais variados crimes, do estelionato ao assassinato, passando pelo estupro e o tráfico de drogas. Ouvi experiências horripilantes de gente que esteve no coração das facções criminosas. Escutei relatos sobre vivências que você acha que só existem nos filmes de Hollywood, de pessoas que reconhecem sem dar justificativas a maldade de seus atos passados. Ninguém sai o mesmo de conversas como essas. 

Algo que ir a um presídio e conversar com os internos faz é dar ao “bandido” uma identidade. De repente, você está sentado ao lado de um daqueles caras que só vê no telejornal ou escondendo o rosto, algemado, no Cidade Alerta e descobre que ele tem nome, sonhos, pensamentos, arrependimentos, sentimentos e ideias. Descobre que todos são gente. Gente que cometeu atos atrozes, mas que ainda carrega em si a semente da imagem e semelhança de Deus. Conversei com alguns que hoje demonstram repulsa pelos crimes que cometeram e têm um desejo verdadeiro de se tornarem pessoas produtivas e de bem quando saírem da prisão. Um dos detentos com quem bati papo quer fazer faculdade de medicina. Outro quer se formar em psicologia e ajudar a criar projetos que ajudem a ressocializar presos. Dois querem pregar o evangelho a jovens envolvidos no tráfico de drogas.

É incontestável que há, sim, os que almejam prosseguir no crime sem arrependimentos, nem todo mundo se emenda. Mas, com toda certeza, os relatos de seres humanos verdadeiramente arrependidos que conheci ali me fazem considerar expressões como “bandido bom é bandido morto” uma das maiores aberrações que a humanidade já criou. Esse pensamento é algo absolutamente alienígena ao que o evangelho propõe e é o cúmulo do absurdo um cristão pensar tal coisa, pois acreditar nisso é desconsiderar a possibilidade de uma pessoa desencaminhada arrepender-se, mudar de vida e construir uma nova história, após ter pago junto à justiça pelo crime que cometeu. 

Chama a atenção no Evaristo de Moraes a quantidade de detentos evangélicos, fruto da ação evangelística especialmente de membros de denominações pentecostais e neopentecostais. Lá dentro há uma igreja e um pavilhão inteiro de presos que se identificam como protestantes. Não sou ingênuo de achar que todos são verdadeiramente convertidos, há os meros simpatizantes e os inconversos aproveitadores, mas, com absoluta certeza, muitos de fato tiveram um encontro real com Jesus no cárcere. Negar isso é negar a ação do Espírito Santo. São pessoas presas pelos mais variados crimes e que, sim, hoje são meus irmãos em Cristo. E seus. Não posso desconsiderar que Jesus salva e transforma bandidos cruéis em homens da paz entre as paredes de uma prisão. 

Saí do presídio Evaristo de Moraes mais rico do que entrei. Eu vi a besta face a face, olhei dentro de seus olhos e constatei que é possível ela se tornar mansa como um cordeiro, conformada à semelhança do Cordeiro. Diante de crimes horríveis e hediondos, minha carne pede apenas punição e justiça, mas não posso negar o poder do evangelho de tornar o violento alguém que se opõe à violência. Por isso, hoje, meu espírito pede mais que justiça: pede justificação. 

A maioria dos 300 homens que me ouviram – entre eles, três travestis, diversos umbandistas e kardecistas – escutou com atenção e respeito as preleções. Muitos vieram falar comigo ao final de cada ministração. Vi nos olhos e nas palavras de muitos o desejo sincero por um recomeço. E, a partir de hoje, esta será minha oração: que cada presídio se torne não um depósito de gente ou um purgatório cuja única função seja a sádica punição de bestas-feras humanas, mas um verdadeiro local de transformação. Se o Estado não é capaz de criar meios eficientes de regeneração ética e social da massa carcerária, tenho inabalável certeza de que o Espírito de Deus é extremamente eficaz em regenerar espiritualmente os degenerados, fazendo muitos deles nascerem de novo. Por isso eu oro. 

Um dos detentos com quem conversei me disse que o presídio é “a porta do inferno”. Felizmente, acredito que, enquanto uma alma não atravessa os umbrais do inferno, pode ser resgatada pela graça e ouvir do Senhor: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Portanto, não ouso dizer que bandido bom é bandido morto. Meu cristianismo me mostra que bandido bom é bandido morto, sim, mas morto para o mundo, o diabo, a carne e o pecado – e renascido em Cristo como nova criatura. 

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari < facebook.com/mauriciozagariescritor >

(Nenhuma das fotos que ilustram este post foi tirada por mim por ocasião da visita. São fotos ilustrativas, tiradas por outras pessoas, em outras ocasiões, e disponíveis livremente na Internet)

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odio0Gostaria de fazer uma pergunta objetiva e pediria que você respondesse a si mesmo com toda sinceridade: você sente uma aversão inveterada e absoluta por alguém, ou mesmo raiva, rancor, ou antipatia? Pense com calma. Lembre-se dos indivíduos que você conhece e por quem nutre um desses sentimentos. Imagine na sua mente o rosto dessas pessoas. Já fez isso? Se não fez, por favor, não prossiga a leitura antes de fazer. Traga à lembrança aqueles por quem sente – repito – aversão inveterada e absoluta, raiva, rancor, ou antipatia. Pois bem, agora que você fez esse exercício, permita-me dar uma informação: “Aversão inveterada e absoluta; raiva; rancor; antipatia” são, no dicionário, exatamente o que significa… ódio. Portanto, se você conseguiu pensar em pessoas por quem tem um ou mais desses sentimentos, você odeia.

Sim, nós odiamos até mesmo alguns irmãos em Cristo. Na esmagadora maioria das vezes, temos sempre uma boa justificativa para essa postura. Para começar, dizemos que não é ódio, mas zelo, precaução, necessidade de manter a distância… seja lá o modo que inventemos para explicar nosso ódio, ele continua sendo ódio. E isso precisa ser trabalhado. Por quê? Veja o que diz o apóstolo João: “Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora, está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há nenhum tropeço. Aquele, porém, que odeia a seu irmão está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos” (1Jo 2.9-11).

odio2Que coisa séria e triste… Percebeu o que a Bíblia está dizendo? Que cristãos (sim, cristãos, repare que João se refere ao ódio a um “irmão”) que odeiam estão cegos e caminham em trevas. Essa é uma condição lamentável para um filho de Deus. Justamente porque as Escrituras contrapõem esse ódio ao amor – que é o maior mandamento. A conclusão é que, se nutrimos o sentimento de ódio por uma ou mais pessoas, estamos caminhando fora da vontade divina e nos identificando mais com as trevas do que com a luz.

Bem, e o que fazer? Muitas vezes esse ódio foi fruto de feridas muito profundas que outras pessoas nos causaram e é muito difícil administrar o ressentimento que esses machucados na alma provocaram. Ninguém odeia alguém de graça, o ódio é sempre consequência de algo ruim que fizeram contra nós ou contra terceiros e que nos provocou revolta. Nessas horas, temos de combater o ódio com a arma mais magnífica que Deus nós deu: o perdão. Perdoar a ofensa que nos levou a odiar. Pois o exercício do perdão é uma das maiores demonstrações de um coração que ama.

Deus amou o mundo de tal maneira que se fez como um de nós para morrer e ressuscitar e, assim, nos conceder perdão. Isso foi possível porque não há espaço no coração de Deus para o ódio. Por ter e ser tanto amor, o Senhor pede ao Pai o perdão dos pecados de seus executores. Só um coração transbordante de amor perdoa a mulher adúltera, Zaqueu, Mateus e outros indivíduos que se fizeram odiosos. Como eu e você.

odio4Assisti a um documentário que mostra a história de uma jovem estuprada e assassinada pelo próprio cunhado. Ao final, a mãe dela, compreensivelmente devastada e arrasada emocionalmente, diz em entrevista que jamais perdoará o criminoso. “Eu odeio esse homem, não posso nem olhar para ele”, disse ela. Fiquei triste. Pois aquela senhora, vítima de tão terrível tragédia, não percebeu que a falta de perdão a fazia vítima de mais uma tragédia: a do ódio. O assassino andou em trevas e cometeu tão brutal pecado. E aquela pobre mãe acabou sendo arrastada para as trevas ao cultivar o ódio no seu coração. Oro a Deus que um dia ela seja capaz de perdoar o agressor, para que veja a luz e viva nela.

Sei que pode soar até mesmo cruel o que vou dizer, mas analise, por favor, se não está de acordo com a Bíblia: ao dizer que odeia o assassino, aquela pobre mãe equivale-se a ele. Ouça a Palavra de Deus: “Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si” (1Jo 3.15). Perdoar ou odiar? Independentemente de o perdão ou o ódio se dirigirem a um cristão ou não, temos diante de nós os dois caminhos. Aquela mãe fez sua escolha. Eu e você também temos de fazer a nossa.

É duro demais pensar em perdoar quem nos causou males tão grandes. Mas que outra alternativa temos? Se não o fazemos nos distanciamos do Crucificado e nos tornamos como os crucificadores. Como filhos da Luz, devemos andar nela, orar por quem nos fez mal, abençoar quem nos amaldiçoa, nadar na contramão de nossos próprios sentimentos. Só a negação de nós mesmos e a incorporação de Cristo é capaz de nos forjar à imagem do Ser perfeito.

Em um coração cristão só há espaço para poucos tipos de ódio, em imitação ao que Deus odeia. O ódio ao pecado. O ódio ao divórcio. O ódio à iniquidade. O ódio à vida neste mundo. O ódio à soberba.

E o ódio ao ódio.

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício