imageNas últimas horas de vida antes da crucificação, Jesus sofreu todo tipo de dor: a dor do corpo, a da humilhação, a do abandono, a da traição, a da negação. Dor em cima de dor. Mas eu, pessoalmente, acredito que uma das dores que mais doeram nele foi a da ingratidão. Ele estava ali, entregando-se pela humanidade, oferecendo-se em sacrifício pelo pecado do mundo… mas aqueles por quem ele se deu não lhe agradeceram nem o reverenciaram; pelo contrário, viraram-lhe as costas, cuspiram em seu rosto, esbofetearam sua dignidade, zombaram de seu sofrimento, rasgaram sua carne, conduziram sua alma a uma tristeza mortal. Não demonstraram um pingo sequer de agradecimento. E essa, a dor da ingratidão, é uma das dores mais dolorosas que há.

Nas minhas ultimas férias fui com minha mulher e minha filha a Cabo Frio (RJ), onde gosto de ir à Praia das Dunas (foto). Como o nome diz, para se chegar à beira d’água é preciso subir e descer duas dunas. Normalmente, essa caminhada é extremamente prazerosa, com aquela areia fina acariciando os pés e algumas paradas durante o trajeto para – literalmente – deitar e rolar. Num dos dias, resolvemos ir a outra praia, a das Conchas, mas não foi uma escolha feliz: estava lotada, a areia era dura, o vento estava gélido. Decidimos almoçar por ali e retornar para passar a tarde na nossa preferida. E assim fizemos.

Cabo Frio 2015Chegamos tarde à Praia das Dunas, já cansados por toda a aventura da manhã. Tudo o que eu queria era relaxar e descansar nas minhas águas e areias prediletas. Brinquei bastante com o filhota, mergulhamos, pulamos ondas e nos cansamos ainda mais. Por volta de cinco horas estávamos todos exaustos, mas felizes. Foi quando minha filha de 4 anos se aninhou no meu colo e, em meio aos carinhos do papai, adormeceu. Não foi um soninho leve, não: ela dormiu profundamente. Fiquei aguardando por um bom tempo, para ver se a pequena acordava. Nada. O tempo passou, o sol começou a cair, a temperatura esfriou e vimos que era hora de retornar ao apartamento. Mas, aí, veio o dilema: acordar a filhinha ou não? Confesso que tentei, mas sem efeito: ela estava profundamente adormecida.

Foi quando tomei a decisão: pelo bem-estar dela, eu me sacrificaria e carregaria no colo aqueles 16 quilos de filha da beira da água até o nosso apartamento, localizado a um quarteirão da praia. Levantei-me com ela nos braços, enquanto minha esposa recolhia nossas coisas. Pendurei em um ombro a barraca, encaixei uma das cadeiras no braço e iniciei a caminhada.

Foi quando começou o sofrimento.

Se você acompanha o APENAS há algum tempo sabe que sofro de fibromialgia, uma doença que faz todos os músculos e tendões do corpo inflamarem e doerem o tempo inteiro. Isso me limita ou impede de fazer uma série de coisas, que me são extremamente dolorosas, como dirigir, digitar no computador, praticar exercícios e… carregar peso. Agora, imagine eu, com fibromialgia, tendo uma criança de 16 quilos nos braços, uma barraca de praia no ombro e uma cadeira pendurada no braço. Acredite: não é fácil. Dói – e dói muito. Mas, por amor a minha filhinha, eu me entreguei voluntariamente a esse sacrifício.

peso 1A coisa ficou pior. Se carregar esse peso todo já me é doloroso, imagine andando na areia fofa. Parece que o esforço necessário triplica. Depois de algum tempo, quintuplica. Comecei a arfar e bufar. O suor escorria. As pernas tremiam a cada passo. Cheguei ao sopé da primeira duna e comecei a escalada. Cada centímetro percorrido era um sacrifício. A sola dos pés doía e latejava. Os músculos queimavam. Tive de fazer diversas paradas. Parecia que estava carregando um elefante rumo ao cimo do Everest. Quando venci a primeira duna, as lágrimas escorriam pelo canto dos olhos. As pernas fibrilavam. A respiração faltava. As costas arqueavam. Enfim, já deu para ter uma ideia do que custou para mim carregar minha filha, a fim de deixá-la mais confortável. Por ela e por amor eu estava passando por maus bocados. Péssimos, na verdade.

Resumamos a história: lentamente transpus as duas dunas, passo ante passo, caminhei pela trilha que leva até a avenida de acesso e me arrastei pela calçada até a entrada do nosso prédio. Nessa última parte, adivinhe você, a pequena acordou. Sensibilizada pelo meu estado, assim que viu a filhota acordar, minha esposa perguntou:

– Filhinha, você não quer ir andando um pouquinho, para deixar o papai descansar?

Sonolenta, sua resposta foi agarrar-se ainda mais ao meu pescoço. Diante da negativa, continuei minha via-crúcis até a porta do prédio. Confesso que, ao chegar à portaria, em meio ao oceano de dores eu sentia uma gota de orgulho de meu feito. Por dentro imaginava minha filha dizendo algo como:

– Papai, você é meu herói! Muito obrigada por se sacrificar por mim! Obrigada por sentir tanta dor para que eu ficasse bem! Obrigada! Obrigada! Obrigada! Obrigada! Obrigada! Obrigada!

Só que não foi assim. Quando subi os degraus de entrada, a cadeira de praia que eu carregava no braço esbarrou de leve num dos pés de minha filha. E o que saiu de seus lábios emburrados de sono foi:

– Ai, papai… Tá me machucando…

Parei. Tentei sorrir com as forças que me sobravam. E minha atitude foi uma só: dei um beijo em minha filhinha ingrata e dei a única resposta que poderia dar:

– Eu te amo, bebê…

cristoJesus sofreu pela humanidade. Muito. De forma dolorosa. Foi dilacerado física e emocionalmente. E experimentou em sua vida terrena a ingratidão de forma indizível. Mas a coisa não parou no dia de sua crucificação. Hoje, eu e você muitas vezes fazemos a mesma coisa. Jesus sofreu tudo o que sofreu por você, meu irmão, minha irmã. Ele carregou o peso do nosso pecado, caminhou nas areias da traição, escalou a duna da humilhação, sofreu a dor da cruz, transpirou a angústia da nossa maldade. E, ainda assim, muitas e muitas vezes, em vez de sermos eternamente gratos, de suportarmos as cadeiras da vida que cutucam nosso pé tendo em nós o entendimento do preço enorme que Jesus pagou pelo nosso bem-estar eterno, murmuramos e reclamamos com uma atitude de extrema ingratidão:

– Ai, papai… Tá me machucando…

Fico imaginando Jesus ouvindo isso e pensando, com infinito amor no coração, sabendo de tudo o que passou e do tão pouco que representa o nosso pequeno sofrimento em comparação ao dele:

– Eu te amo, bebê…

“Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.17-18).

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari < facebook.com/mauriciozagariescritor >

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comentários
  1. anobre77 disse:

    Bom dia Maurício!
    Excelente contextualização! Essa semana vou procurar ser mais grato … mesmo sabendo que, além de reclamar pelas cadeiradas, muitas vezes questiono o porquê delas …. às vezes sou tão insensato!
    Obrigado por me fazer pensar nisso um pouco mais hoje… tenha uma semana de muita paz meu irmão!
    Alexandre

    • Salve, Alexandre, tudo bem?
      .
      Que bom que o texto te chamou para a boa reflexão. Peço a Deus que ela te conduza a novos patamares.
      .
      Abraço, uma semana excelente pra ti também,
      mz

    • Ana Pantaleão disse:

      SOFRO COM DORES TERRÍVEIS DEVIDO A FIBROMIALGIA HÁ ANOS…..

      EM CASA DESDE 2011 ME VEJO EM MEIO AO DESESPERO…. SOFRENDO COM POLIRRADICULONEUROPATIA DESMIELINIZANTE COM PERDA AXONAL DE MEMBROS SUPERIORES E INFERIORES AUTO IMUNE INFLAMATÓRIA CRÔNICA…. E AINDA ASSIM TIVE O PEDIDO DE APOSENTADORIA INDEFERIDO PELO INSS E MEU AUXILIO DOENÇA SUSPENSO…. DIANTE ESTA SITUAÇÃO O QUADRO PIOROU, ESSA DOENÇA E SENSITIVA MOTORA…. SINTO MAIS DOR AINDA E MINHA MENTE LONGE….

      ???????????????????????????????

  2. Um viva para o papai: vivaaa! 🙂
    Um viva para o Papai: vivaaa! ❤

    Muito obrigada!
    No amor de Cristo, um abraço, meu irmão!

  3. Marise disse:

    Bom dia Maurício, paz! O seu post hoje me lembrou o professor de História da Igreja no seminário. Ele dizia que “quando chegarmos no céu, haverá um mural a nossa disposição com as respostas que nunca tivemos aqui na terra. Lá estará registrado todos os livramentos que o Senhor nos deu e nem ficamos sabendo”. Deus nos ama. Não há nada que possamos fazer para Ele nos amar mais. Não há nada que possamos deixar de fazer para que Ele nos ame menos. Não há nada que possa mensurar o amor de Deus por nós. A compreensão disso nos torna cada dia mais gratos. Jesus te abençoe!

  4. Jessé Martins disse:

    Que blog maravilhoso! Já estava desanimado de procurar boas fontes de conhecimento da bíblia na internet pois tem cada porcaria, cada site que só serve msm pra confundir e aí encontro essas reflexões maravilhosas parabéns Maurício seu blog edifica muito e glóeias á Deus por isso.

    • Oi, Jessé,
      .
      louvo a Deus por você estar sendo abençoado pelas reflexões que compartilho no APENAS. Oro a Deus que consiga prosseguir escrevendo aquilo que edifica.
      .
      Grande abraço, no amor maior,
      mz
      facebook.com/mauriciozagariescritor

  5. solange vieira disse:

    Olá Mauricio !
    Então fiquei a pensar, as noites acordada com nossos pequenos, o cansaço que no alcança em tantos dias, a vontade de parar e sumir, as vezes que nos aborrecem, fazem malcriação, e depois de uns minutos ,uns beijinhos tudo se acalma e fica bem.
    Por nossos filhos fazemos quase tudo, procuramos sempre fazer o melhor, recuperamos o folego, tiramos forças de onde nem pensamos ter , só para vê-los bem .Quantas vezes dizemos, não vou aguentar e aguentamos.
    Se nós simples carnais, amamos tanto independente do retorno,imaginemos o imenso amor de JESUS para conosco. Nós amamos independente de sermos amados. E Ele nos amou primeiro.
    Glória a Deus por isso.
    Abraços.

    • Oi, Solange,
      .
      é exatamente isso. Se começarmos a fazer analogias entre nossa experiência humana e a experiência da paternidade divina aprenderemos muito sobre o Senhor.
      .
      Abraço fraterno, no amor de Jesus,
      mz

  6. Valderi Felizado da Silva disse:

    Puxa, bem legal esse seu texto. Não podemos compreender o que vem lá de Cima, mas podemos enxergar pelas coisas daqui de baixo.

  7. Neia Cunha disse:

    A Paz Mano ,
    Meu irmão esse texto chegou na hora certa , estou vivendo um situação em que fiz , de tudo para ajudar alguem e a pessoa ate o exato momento não foi capaz de dizer obrigado , estava triste mas lendo esse texto e decidi simplismente “Amar ” e cuidar dando o meu melhor.
    Que Deus o abencoe e o capacite que a graça e a misericordia do Senhor seja sobre vc e sua casa .
    Um grande abraco na paz de Cristo.
    Neia 😀

    • Neia, olá,
      .
      louvo a Deus por esse texto ter chegado na hora certa. Você fez a melhor escolha, pode ter a certeza. Ame sem esperar nada em troca. Obrigado pela oração tão preciosa.
      .
      Abraço carinhoso, no amor de nosso Pai,
      mz

  8. jarcefania disse:

    amém!!

  9. Karlla Felipe disse:

    Amém…Glorifico a Deus pela sua vida Zágari, por se deixar usar pelo Senhor. Cada texto seu transmite conhecimento, sentimos Deus falar conosco. Muitos pregam um cristianismo falido,egocentrico e materialista que nem de londe é o que o Nosso Deus deixou escrito em sua Palavra, clamemos para q a igreja que somos nós vejamos aquilo que realmente o Senhor quer e sejamos aquilo q Ele quer q sejamos. Sal da terra e luz do mundo e ñ mais um no meio da multidão. Deus continue te usando mais e mais. Paz

    • Oi, Karlla,
      .
      muito obrigado por suas palavras gentis além da conta e por suas tão importantes orações. Que busquemos sempre enxergar o evangelho da Palavra e não os “outros” evangelhos.
      .
      Abraço fraterno, no amor de Cristo,
      mz

  10. Nadia Malta disse:

    A fibromialgia tem sido uma velha companheira de jornada, sei o que é senti-la e o pior, sem poder amenizá-la por causa dos rins. Mas acho que a dor maior é sem dúvida, a causada no coração pela falta de gratidão daqueles a quem amamos e pelos quais fazemos o que está acima de nossas forças. Que o Senhor nos ajude a ser gratos e, sobretudo, que possamos dizer diante de cada ingratidão um sonoro “eu te amo bebê!”. Mais uma vez uma linda reflexão meu irmão! Deus te abençoe.

  11. Jacy. disse:

    Que texto lindoo!! E que Deus liindooo!!!

  12. Tatiana disse:

    Que legal.. acompanho seu blog… e hoje quando me chamou atenção por a história se passar na minha cidade! Cabo Frio rsrsrs me senti honrada de ver a minha cidade por aqui! E o texto como todos do blog é excelente… ótima reflexão! somos muito ingratos mesmo!!

    A paz de cristo!!

    • Olá, Tatiana,
      .
      você mora em uma ótima cidade, sempre que posso dou uma escapulida para a praia das Dunas. Obrigado pelo carinho de suas palavras, fico feliz por poder abençoar.
      .
      Abraço fraterno, na paz de Jesus,
      mz
      facebook.com/mauriciozagariescritor

  13. andreia disse:

    ola mano….simplesmente mais uma MARAVILHOSA REFLEXÃO!!!!!

    mais gratidão em nossos corações….. menos reclamações…. e Ele continua nos amando;….

    literalmente um amor …constrangedor…..

    Que o óleo da unção seja derramado sobre ti a cada dia e cada vez mais..

    com amor e continuas orações….

    Andreia Araujo

    • Oi, Andreia, tudo bem?
      .
      Esse é o caminho, não é? Em tudo demos graças, pois em tudo a graça se revela presente. Obrigado mais uma vez por sua preciosa intercessão.
      .
      Abraço fraterno, no amor de Deus,
      mz

  14. Tamires disse:

    linda mensagem.

  15. Patricia Amarante disse:

    Em um dia em que termino meu ano rodeada de ingratidões, pergunto a Deus: “Certamente vc permitiu isso… Porque?” E lendo esse texto até me envergonho de fazer essa pergunta ao Senhor… Obrigada por compartilhar e que Deus abençoe grandemente seu ministério!

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