Arquivo de julho, 2011

Recentemente, ao publicar um artigo aqui no APENAS fui questionado por uma querida irmã em Cristo, que, de uma forma muito carinhosa, disse não compreender como um “homem de Deus” como eu me despedia das irmãs nos meus comentários feitos aqui no blog mandando beijos (o que é verdade, muitas vezes me despeço com “um beijo”, ou “um beijo, no amor do Senhor”, ou “um beijo, no amor dAquele que nos une” e outras formas carinhosas de demonstrar afeto por meio de beijos. Escreveu essa irmã (e faço questão de mantê-la anônima, pois expô-la de modo algum é relevante aqui) no espaço de comentários de um de meus posts: “Seus posts são sempre uma benção irmão! que bom que vc se baseia no evangelho da verdade. Só acho estranho vc mandar abraço para os homens e beijos para as mulheres, homem de Deus de respeito não fica mandando beijos,por mais que não seja malícia sua, mas para evitar a aparência do mal, entende?

Confesso que em principio o comentário me chocou de tão surreal que soou. Afinal, pela lógica do comentário, se eu mando um beijo para qualquer pessoa do sexo oposto isso faz com que eu não seja um “homem de Deus” e muito menos “de respeito”. Fiz então o que um cristão deve fazer: fui às Escrituras, mais especificamente a 1Samuel 9.6, onde Saul diz sobre Samuel: “Nesta cidade mora um homem de Deus que é muito respeitado. Tudo o que ele diz acontece. Vamos falar com ele. Talvez ele nos aponte o caminho a seguir”.

Ou seja, por essa definição bíblica, o homem de Deus é alguém que tem intimidade com o Senhor, ao ponto de chegar a ser capaz de apontar caminhos de acordo com a Palavra do Senhor – e as suas ações, fruto dessa intimidade, lhe garantem respeito. Poderíamos inferir, então, que o “homem de Deus” é aquele que manifesta em sua vida aquilo que todo cristão que tem intimidade com o Criador manifesta: o fruto do Espírito de Gl 5.22,23: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio”. Então, pela lógica do comentário feito no blog pela querida irmã, não importa se eu tenho intimidade com Deus, não importa se eu transmito amor ou alegria, se minha vida traz paz ao meu semelhante, se demonstro paciência nos momentos em que quero esganar alguém, se sou fiel, manso, se domino minha natureza carnal em momentos em que quero explodir…. nada disso importa! Porque, afinal, o fato de eu me despedir das irmãs com “um beijo” anularia tudo isso.

Mas, depois de pensar um pouco e lembrar que existe uma ala da igreja evangélica brasileira que segue uma linha mais ascética, procurei compreender o comentário com toda graça que minha pecaminhosidade me permite. Respondi a ela com bastante deferência como eu entendia essa questão, que a meu ver era algo cultural, e me despedi respeitosamente, dizendo  “Mas se de algum modo isso escandaliza a irmã não se preocupe, pois me despedirei de si com todo o respeito e de acordo com a cultura da sua igreja local: a paz do Senhor e um aperto de mão bastante respeitoso. Jesus a abençoe!“. Recebi uma tréplica carregada de ironia: “tá bom entendi irmão, então agora comece a mandar beijos para os  homens também, afinal é com todo o respeito e como se fosse da  família né!” . (sic)

Ironia santa?

Procurei ignorar o sarcasmo e me concentrei na razão apresentada para eu não poder me despedir das irmãs com um beijo: “Evitar a aparência do mal”. Ah! A aparência do mal de 1 Ts 5.22, que já fez, por exemplo, com que milhares de cristãos respeitáveis fossem execrados em suas comunidades de fé por serem acusados injustamente de terem cometido pecados que nunca cometeram porque “alguém viu algo” que lhe pareceu “o mal”. Como o exemplo clássico do irmão que está tomando guaraná e alguém acha que é cerveja – e lá vai o pobre do irmão para a disciplina.

Esse episódio me fez refletir. Em especial, sobre aquilo que inicialmente pensei em chamar de “bobajada gospel”, mas que depois, para tentar não ofender ninguém e tentar parecer mais intelectual, chamei de “ricochetes gospel”: invenções nonsense que criamos e que simplesmente desviam o olhar da Igreja de Jesus Cristo daquilo que realmente deveria chamar sua atenção – do mesmo modo que uma bala de revólver que, atirada rumo a um alvo, ricocheteia e vai parar num lugar onde nunca deveria ter chegado.

Há inúmeros exemplos:

Existem milhares e milhares de pessoas ingênuas participando de campanhas de prosperidade antibiblicas pelo pais afora e fazendo tudo o que a Biblia não promete para ver se consegue ser abençoado com “unções financeiras” –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Pastores traem seu chamado pastoral ao se candidatar a cargos eletivos e formam bancadas “evangélicas” no governo cuja atitude é tudo menos cristã –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Pastores se ofendem mutuamente pela mídia chamando-se de termos chulos –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Lideres levam suas ovelhas a acreditar que Deus não está no controle de tudo com teologias apócrifas –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Pastores ambiciosos atraem membros de outras igrejas para as suas usando como isca shows dos grupos de rock gospel da moda –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Cristãos dirigem no trânsito acima da velocidade permitida, fazem bandalhas, avançam o sinal (muitos com o adesivo “Jesus é meu copiloto” colado no vidro) –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Músicos gospel cobram fortunas para se apresentar em igrejas e “louvar a Deus” (que é fazer aquele showzinho tradicional de duas ou três músicas num culto ou num congresso) –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Palestrantes gospel condicionam suas idas a igrejas ao pagamento de  valores altíssimos (e tem que ser em dinheiro, cheque nem pensar pois, afinal, pode não ter fundos) e hospedagem em hotéis de luxo –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Igrejas atraem membros com promessas mentirosas de cura que não vão acontecer, baseadas em filosofias de origem da Nova Era, como a Confissão Positiva –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Irmãos se maltratam, se ofendem, se agridem, se boicotam pelas costas nos corredores das igrejas –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

Pastores vão a programas de auditório na TV e usam de uma agressividade inacreditável para defender suas visões bíblicas –  e, no entanto, a “aparência do mal” é um cristão se despedir com todo respeito e carinho fraternal de uma irmã com um beijo.

E por aí vai.

Haveria muitos, mas muitos outros exemplos, de problemas graves, sérios, que precisam de fato ser combatidos no nosso meio, mas não pretendo gastar mais tempo aqui com isso. Fato é que enquanto a Igreja ficar “ricocheteando” suas atenções daquilo que de fato importa para irrelevâncias como o fato de um homem de Deus se despedir num blog de uma irmã desejando-lhe “um beijo”, só estaremos fazendo uma coisa: perdendo tempo, energias e desviando o foco da real proclamação do Evangelho e daquilo que ele propõe.

Está na hora de esquecermos as meras expressões culturais. Temos de olhar para o pecado de fato. Para a falta de compromisso com aquilo que verdadeiramente importa na Bíblia. Pastores e membros que gastam tempo e saliva criticando outros porque “mandam beijos” em vez de desejar um insoso e geralmente irrefletido “apadosinhô” ao se cumprimentar deveriam voltar às Escrituras e reler o Sermão do Monte, as pregações de Jesus e outras passagens que ensinam o que é de fato viver como um “homem de Deus”.

A propósito, só uma informação: quatro versículos após a Bíblia dizer, em 1 Ts 5.22, que devemos nos abster da aparência do mal, o apóstolo Paulo diz o seguinte: “Saudai a todos os irmãos com ósculo santo” (1 Ts 5.26). “Ósculo”, para quem não conhece o termo, significa “beijo”. E se você for no original grego em que foi escrito o texto vai descobrir que os “irmãos” aqui mencionados (do grego adelfos) refere-se no contexto a irmãos no âmbito espiritual (homens ou mulheres) , como ocorre mais de 30 vezes em Atos e mais de 130 vezes nas cartas paulinas (se tiver interesse de conferir um estudo sobre isso, em inglês, clique aqui).

Ou seja, a despeito de qualquer outra coisa, o apóstolo Paulo nos autoriza a nos despedirmos de nossos irmãos espirituais em Cristo (homens e mulheres) com… um beijo. E tenho certeza que Paulo era um “homem de Deus que se dava ao respeito”.

Paz a todos vocês que estão em Cristo. E um enorme beijo a todos os irmãos e a todas as irmãs, no amor dAquele que nos une.

Cheguei a uma conclusão: eu não amo o próximo. Pior: você também não. A gente pode até tentar, mas não ama. E eu provo. Mas, para isso, precisamos entender antes de mais nada que estou usando aqui o conceito de “amor” da Bíblia e não o da sociedade secular e romantizada em que vivemos (para um aprofundamento sobre isso você pode ler se desejar o artigo Heresias em nome do amor). E como um dos conceitos hermenêuticos elementares no estudo das Escrituras é que “a Bíblia explica a si mesma”, vamos ao texto sagrado desencavar qual é o conceito bíblico de “amar”. O versículo epicêntrico da Bíblia sobre o assunto é o bom e velho João 3.16: “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. Vamos então destrinchá-lo.

Primeiro: Deus amou o mundo. E quem é o mundo? São absolutamente todas as pessoas que o rejeitaram, desobedeceram, que foram seus inimigos, que lhe viraram as costas. Ou seja: todo aquele que peca. Ou seja: todo mundo! “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23). Então o que Jo 3.16 nos mostra, primeiro, é que Deus amou pessoas que o desprezaram, que lhe fizeram mal, que falaram mal dele, que roubaram dele, o caluniaram e fizeram todo tipo de desgraça contra Ele.

Aí, de repente, Deus decide fazer por esse grupo de bilhões e bilhões de pessoas algo impresionante: abre mão de sua posição confortabilíssima para ajudar cada um. Se você prestar atenção, verá que o Filho estava muito bem, obrigado, em sua glória celestial e não precisava ter mexido uma palha por essas pessoas. Mas Ele foi além: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2.5-8).

Em outras palavras: o amor abre mão do seu conforto para ajudar outras pessoas.

E isso para quê? “Para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. A questão aqui é que aquele bando de miseráveis não merecia a vida eterna. Mereciam, em português bem claro, arder por toda a eternidade no fogo do inferno. Mas Deus chega e mostra outro aspecto do amor: dá a eles algo que não merecem. E aqui nos deparamos com as cinco letras mais lindas do Evangelho: GRAÇA. Pois isso é a essência da graça: AMOR.

Qual é a conclusão a que chegamos a partir disso tudo? Que AMAR significa abrir mão do seu conforto para fazer coisas boas por quem te fez coisas ruins. Simples assim.

E…você faz isso?

Para responder nós temos que aplicar o que dissemos acima a sua (e à minha) vida: Pense em todas as pessoas que te desprezaram, fizeram mal, te viraram o rosto, falaram mal de você, te roubaram, te caluniaram e fizeram todo tipo de desgraça contra você. Não tem pressa. Esqueça que você está na Internet e que aqui todo mundo só quer ler coisas rapidinho. Invista tempo, vai valer a pena.

Pare.

Tire um tempo.

Pense em rostos. Lembre de nomes. Recorde-se de situações. Gente que te fez chorar, que te ofendeu, que te acusou injustamente. Que te molestou sexualmente. Que roubou seu dinheiro. Que mentiu para todo mundo a seu respeito. Que armou esquemas para te prejudicar e puxar o tapete. Que fez tudo o que há de pior contra você. Pense. E, só depois de ter lembrado de todas essas pessoas continue a ler, não tenho pressa alguma.

Ainda tem tempo. Pense mais um pouco. Gente que te magoou feio. Você vai lembrar.

Ok. Agora que você já deu nome e rosto aos bois, segundo passo: Deus saiu de seu conforto e fez algo de bom por elas que certamente elas NÃO mereciam. E eu, então, te pergunto: o que você já fez de bom por essas pessoas de quem acabou de se lembrar? Pode pensar. Mais um tempo pra ti.

Me atrevo a dizer que você gastou muito tempo chorando pelo que elas te fizeram, as denunciando, ou então metendo o malho nelas para outras pessoas, falando ao maior número possível de pessoas o que elas lhe fizeram. E até mesmo se vingando, pagando na mesma moeda. As odiando com todas as suas entranhas! Eu garanto que você fez isso. E sabe por quê? Porque é o que eu fiz. Muitas vezes. Paguei mal com mal. Paguei com vingança. Com comentários depreciativos. Com minha natureza humana.

Chegamos então à questão inicial. Você ama o seu próximo? Pois já vimos que AMAR significa abrir mão do seu conforto para fazer coisas boas por quem te fez coisas ruins. Simples assim. Mas meu irmão, minha irmã, concorde comigo que nós não fazemos isso.

Não fazemos.

E com isso, simplesmente descumprimos o mandamento maior da fé cristã: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?’ Respondeu Jesus:  ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”. (Mt 22.36-40)

Aí você pode até dizer: “Ah, mas Jesus era Deus, pra Deus é fácil amar assim! Eu sou só um humano!”. Ao que Jesus de Nazaré te responde:  “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros”. (Jo 13.34,35)

ÚLTIMAS PALAVRAS

Não tem jeito. Eu não amo meu próximo segundo o modelo bíblico, fato. Pois não abro mão de meu conforto, de meu tempo, de dizer que tenho razão, de meu orgulho… para fazer o bem a quem me detonou. E, afirmo sem medo de errar: você também não. Pois eu olho em volta e é o que vejo, nas igrejas, no twitter, no Facebook, nos programas evangélicos de TV, nas pregações de pastores anti-igreja da internet, na Igreja Emergente…em todo lugar onde haja um coração manchado pelo pecado, em todo lugar onde haja alguém que se chame cristão: nós somos vingtivos, ofendemos, pagamos na mesma moeda. Não fazemos o bem a quem nos faz mal. Não fazemos! Isso é um fato!

Ignoramos solenemente o que Paulo diz em Romanos 12.14-20: “Abençoem aqueles que os perseguem; abençoem, e não os amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram. Tenham uma mesma atitude uns para com os outros. Não sejam orgulhosos, mas estejam dispostos a associar-se a pessoas de posição inferior Não sejam sábios aos seus próprios olhos. Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam todo o possível para viver em paz com todos.  Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei” diz o Senhor.  Ao contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber”.

Você já deu de comer ou de beber a quem te fez mal? Quantas vezes?

A BOA NOTÍCIA

Mas há uma boa notícia: é possível.

É possível viver o mandamento maior. Comece preferindo o outro em honra. Pondo em prática Filipenses 2.3b; “Humildemente considerem os outros superiores a si mesmos”.

Mas, Zágari, como se faz isso?

Não revide, abençoe. Não rebata, dê a outra face. Não se vingue, caminhe a segunda milha. Não fale pelas costas, elogie o que há de bom em quem só há coisa má. Só consegue amar o próximo da forma que Cristo espera quem faz o que Ele fez diante de Pilatos: engole sapos. Se cala. Se submete. Se humilha. É difícil? LÓGICO QUE É! E desde quando alguém disse que seria fácil? Jesus disse: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23). E você acha que carregar uma cruz é fácil?

Em outras palavras, só ama verdadeiramente o próximo quem contraria sua natureza. Pois só quando você contrariar a sua natureza e injetar em suas veias a natureza de Cristo é que você começará a amar o próximo como a Bíblia ensina. Até lá…somos bons fingidores.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.


Quero te convidar para um exercício de imaginação. Imagine que você é um não-cristão vivendo no Brasil de nossos dias e que, em determinado momento da vida, sente uma enorme sede por algo que venha a preencher o vazio de sua alma. Decide buscar na fé o sentido da vida e a razão da sua existência. Resolve, assim, antes de optar de cara por uma religião, fazer uma pesquisa. Você parte, talvez por insistência de amigos ou parentes evangélicos, a tentar descobrir o que significa afinal, ser um cristão e o que é a igreja evangélica brasileira dos nossos dias. Pois, quem sabe, não está ali a resposta? É uma tradição religiosa que, afinal, tem crescido, algo de bom deve ter ali. Então você decide ver como é essa tal de igreja evangélica. E, acima de tudo, você quer encontrar esse tal de Jesus, que dizem que preenche a nossa vida e a nossa alma. Mas…por onde começar?

Na dúvida, em vez de ir a um templo pessoalmente, prefere ligar a TV. Mais fácil, rápido e sem envolvimento com todas as questões (e pessoas)  de uma igreja local. Você sabe que na TV tem pastores (quem não sabe, hoje em dia? Tem tantos!). Não conhece muitos, logo, conclui, naturalmente, que aqueles ali devem ser a representação fiel de todo e qualquer pastor.  Mas engraçado… quem você vê não se parece com um sacerdote, afinal pelo que você  se lembra da época de catecismo, Jesus falava com amor e mansidão, chamando os que estão cansados e sobrecarregados para os braços do Pai. Mas, pelo contrário, vê um homem que só berra. Em vez de falar sobre dar a outra face, amar os inimigos e caminhar a segunda milha, ele fica meia hora falando sobre gays e blogueiros que querem denegrir sua imagem. Critica até outros pastores, veja você! Aí você ouve esse senhor chamando outro pastor de  “cachorro morto” e esbravejar aos cuspes, berros e olhares que lembram os de Bela Lugosi. E você, o não-cristão, que ligou naquele programa ávido por aprender mais sobre Jesus e sobre o que é a vida com Cristo, começa a achar que aquilo ali é ser cristão. Afinal, aquele senhor é um pastor, embora ele não diga nada parecido com o que você esperava, como, por exemplo, “bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês“.

Decide esperar um pouco mais e, de repente, parece que valeu a pena… vê o mesmo pastor mudar de discurso, adotar uma postura mais suave, um tom de voz mais brando.  Você sente-se aliviado, achando que agora ele vai falar de Jesus ou algo como “Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam” ou mesmo “Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo“. Mas, para sua surpresa, o pastor começa a falar de dinheiro, dinheiro, dinheiro e a vender produtos e mais produtos, livros, bíblias, CDs, DVDs… montes de coisas, no cartão ou cheque pré. Parece a grande queima de estoque gospel de um camelódromo qualquer. Você acha aquilo muito estranho.

Ainda tentando entender se o cristiansimo é a fé que vai preencher seu coração, decide procurar informações em outras fontes. Acessa então o website de outro conhecido pastor, que faz transmissões diárias pela Internet. Ah, agora sim, longe das pressões financeiras de manter uma mega estrutura de TV, você tem certeza que ouvirá o Evangelho genuíno. Naquele dia, curiosamente, em vez de falar sobre o amor de Jesus ou a eternidade, aquele pastor está comentando uma reportagem que saiu numa revista sobre os evangélicos. Uau, que legal! Agora você vai aprender muito sobre o cristianismo. Vc espera que o tal pastor ensine algo como “Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’ e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’.  Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco!’, corre o risco de ir para o fogo do inferno“. Mas, em vez disso, o pastor começa a dizer que todos os outros pastores que foram mencionados na matéria são “bundões”. Você não entende nada. Não era afinal o cristianismo aquela religião em que seu fundador disse “Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam“? E no entanto aquele pastor que fala tanto sobre amor chama outros pastores de “bundões”. Você fica confuso. Muito confuso.

Decide então ir para uma mídia social. Entra no twitter. Mas sai rapidinho, pois a quantidade de coisas que os cristãos falam ali são tão diferentes, sem uma linha em comum, são tantas visões diversas, tanta opinião sem embasamento bíblico, tanta frase tuitada fora de contexto, tanta gente defendendo tanta coisa díspare. Aquilo te deixa meio zonzo. Ficar 5 minutos no twitter faz você achar que Cristo era um cara muito confuso e que a fé cristã é uma grande Babel. Resolve então que vai buscar mais sobre Jesus e a igreja em outro lugar. Que tal… a rádio! Sim! A rádio! Ali certamente só haverá coisa boa! Então você sintoniza numa rádio gospel e ouve um grupo famoso que começa uma canção com o cantor dizendo “Senhor, eu quero ter um romance contigo!”. Você se assusta. Como assim? Seria esse o mesmo Senhor a quem o salmista diz “Pois tu, Senhor, és o Altíssimo sobre toda a terra! És exaltado muito acima de todos os deuses!“? Você acha estranhíssima essa coisa de ter um romance com Deus e muda de estação. Outra rádio gospel. Se assusta de cara, pois parece que a cantora está chorando. É o que ela chama de “ministrar”. Mas, meu Deus, que choradeira! Que tom de voz artificial! Quanta falação que não leva a nada! Aquilo te incomoda tanto que você resolve então mudar para uma rádio onde haja pregações.

Sim! Se a Bíblia diz que é  por ouvir a Palavra que vem a fé, nada melhor do que ouvir uma pregação. O pregador começa. E, rapaz, ele grita tanto! Berra! O povo em volta se sacode e se remexe muito, uma coisa estranhíssima. O homem no púlpito agarra o microfone e, em gritos alucinados, grita para Deus, repreende coisas que você não entende direito, grita, grita, grita…parece afinal que o Deus dos cristãos é surdo. Por um desses acasos, você se lembra da oração silenciosa de Jesus em que Ele diz “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia nos dá hoje;  E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores;  E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém“. E não entende por que aquele rapaz da rádio pecisa gemer e gritar tanto.

Você decide perguntar para alguém da sua família que frequenta uma igreja e essa pessoa explica que aquilo é “manifestação do poder de Deus”. Você pensa então nas milhares de igrejas pelo mundo onde se ora num tom de voz normal, sem impostação, sem grito, apenas numa conversa franca, suave e aberta com o Pai… e pega-se pensando “será que, afinal, nessas igrejas não está o poder de Deus? Será que em igrejas em que não se grita nem se rodopia Jesus não salva almas, não cura enfermos, não restaura os caídos, não abraça os feridos?”. Você ouve até esse seu parente fazer uma piada com outros irmãos em Cristo, falando sobre “igreja sorveteriana, de tão fria”, e tem a nítida sensação (que não pode estar certa, deve ser impressão sua) que os cristãos são muito desunidos. Esse pensamento, de tão absurdo, foge rápido da sua mente, e você volta a refletir sobre a questão de se igrejas que não são barulhentas não têm o poder de Deus. E aí você se lembra que é impossível o poder de Deus estar ausente de onde Deus está e que a Bíblia assegura, nas palavras do próprio Cristo que “onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” e repara que o poder de Deus se manifesta em qualquer ambiente em que haja pessoas reunidas em seu nome. E decididamente fica sem entender aquela coisa de que para haver poder de Deus é preciso berrar, bater no púlpito e se comportar de modo até meio descontrolado. “Mas tudo bem, faz parte da cultura dessa ou daquela denominação” e, conformado, decide continuar em sua busca.

Afinal, você tem um vazio na alma. Então, embora tudo aquilo lhe pareça muito estanho, você insiste. Muda de estação de rádio. O que ouve ali é um pastor… conversando com um demônio! Aquilo então lhe soa bizarro, pois pelo que já ouvira, a forma bíblica de Jesus de lidar com os demônios era não lhes dar nenhum papo, como diz Mateus 8.16 “Ao anoitecer foram trazidos a ele muitos endemoninhados, e ele expulsou os espíritos com uma palavra”. Repare, uma única palavra! (mais sobre isso no post Batalha espiritual ou bandalha espiritual?). E, de repente, tem pastores usando espaço em que poderiam estar pregando que “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores“, como ensina 1 Tm 1.15, mas…ficam dando oportunidade a demônios para tagarelarem sobre um altar que deveria estar sendo usado para exaltar o Todo-Poderoso.

Cansado de tentar entender a fé cristã pela mídia – sem conseguir entender, pois a cada nova tentativa a coisa parece mais complicada –  você opta por vencer a preguiça e visitar diferentes tipos de igrejas e comunidades cristãs. Vai primeiro a uma igreja de um pastor famoso, que tem milhares de seguidores no twitter. Mas o homem começa a ensinar que Deus não está no controle de tudo o que acontece, que as desgraças que ocorrem no mundo não têm anuência do Onipotente… só que aquilo contraria toda a lógica de dois mil anos de cristianismo, como você conhecia. Você se lembra de Jó, se lembra do Dilúvio, dos exércitos de faraó sendo afogados…não, aquilo não pode ser cristianismo, Deus ainda deve estar no controle. Mesmo que um ou outro pastor-celebridade diga que não.

Sai do culto e vai a outra igreja. Linda, pessoas muito bem arrumadas, opa, quem sabe nao é ali que você vai compreender Cristo? A pregadora começa a falar sobre Jesus te dar carro do ano se você crer, em ganhar uma bolsa Louis Vuitton se declarar a vitória e tomar posse da bênção, sobre como Deus pode fazer sua empresa prosperar se você der uma gorda oferta…. mas estranhamente nada daquilo preenche o vazio da sua alma. Você abre a Bíblia que comprou (uma cheia de estudos, de capa colorida e que estava numa promoção única) e lê “Aquele que é cobiçoso corre atrás das riquezas; e não sabe que há de vir sobre ele a penúria” e percebe que aquele discurso daquela senhora soa muito contraditório. Aí vira mais algumas páginas da sua Bíblia e lê lá no Novo Testamento que o próprio Jesus de Nazaré afirma: “Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam“. Tem algo muito estranho acontecendo nessa tal igreja, mas você ainda não conseguiu definir o que é. Resolve continuar procurando.

E você, incansável, segue num périplo para entender o que é a igreja. E, mais que isso, para tentar conhecer esse tal de Jesus que dizem que preenche a nossa vida. Mas percebe que a linguagem de muitas igrejas é apenas dirigida pelo marketing, que sabe que cliente satisfeito volta, e por isso, muitas estão regendo suas práticas pelo mercado e buscam satisfazer o cliente. Nota ainda uma característica presente em quase todas: não se fala de morte, pois pelo discurso geral o negócio é aqui e agora, é o imediatismo (igrejas essas cheias de pessoas desesperadas, que estão atrás de uma ajuda rápida para situações urgentes). E sua cabeça dá um nó, pois afinal Jesus afirmou sem sombra de dúvida que o que importa no grande esquema das coisas é a eternidade, é a vida eterna, é o porvir: “Não trabalhem pela comida que se estraga, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem lhes dará. Deus, o Pai, nele colocou o seu selo de aprovação“.

Já cansado da busca, você ouve falar de comunidades alternativas, que fogem do modelo institucional de igreja.  Os chamados desigrejados, que saíram de igrejas tradicionais decepcionados não só com práticas e doutrinas, mas com pessoas. Resolve ir ao encontros de alguns desses grupos, vai que ali sim existe um cristianismo mais cristalino, longe da poluição das instituições maquiavélicas que “manipulam a Palavra de Deus”. Descobre, no entanto, que as pessoas que frequentam essas comunidades criticam hierarquias mas têm modelos hierárquicos, que criticam liturgias mas seguem liturgias, que abominam pastores mas têm seus “irmãos mais experientes na fé”, que não se reúnem em templos mas se reúnem em algum lugar. Mudam o nome das coisas (em vez de “igreja” se chamam “comunidades”, por exemplo), mas na essência nada muda, pois são formadas por pessoas e pessoas pecam (mais sobre esse assunto você pode ler nos artigos Jesus X Igreja: tornei-me cristão quando saí da igreja e Jesus nunca construiu templos). E aí você percebe que a igreja dos sem igreja é apenas mais do mesmo, só que com cores diferentes, e não se empolga com esse modelo.

Disposto a dar mais uma chance, pois aquele vazio continua, você vai junto com aquele seu primo crente que é adepto de um negócio chamado “batalha espiritual’ a um seminário onde ensinam montanhas de coisas sobre demônios, hierarquias demoníacas, nomes e cargos de demônios, mapeamento espiritual….rapaz, é demônio pra tudo que é lado. Curioso, você indaga, cochichando, ao seu primo de que lugar da Bíblia eles tiraram tanto conhecimento assim e ele gageja, hesita e diz que na verdade são revelações obtidas ou da boca dos próprios demônios (que, curiosamente mentem o tempo todo) ou de “ex-satanistas” que juram que faziam parte dos mais altos escalões do movimento satanista e começam a escrever livros e mais livros sobre o tema. Claro que viajam dando seminários (cobrando taxas bem gorduchas) , dando palestras e “ministrando” sobre o assunto. Mas nada daquilo veio da Bíblia! (você pode ler mais sobre isso no artigo Batalha espiritual ou bandalha espiritual?). E, adivinha só, você que esperava conhecer mais sobre Cristo e o cristianismo, só fica mais e mais e mais confuso – e, agora, cheio de doutrinas de demônios na cabeça.

Exausto por tentar entender o que são afinal de contas a igreja e o cristianismo (e esse Cristo, que até agora você não encontrou), começa a detectar problemas gerais. Falta de acolhimento, frustração com o estilo de liderança, frustração com as ênfases doutrinárias, ênfase excessiva na contribuição e escândalos pululam em cada esquina. Abre o jornal e vê deputados, senadores, governadores e outros políticos da chamada “bancada evangélica” metidos em um monte de escândalos. É tanta coisa, tanto troço, tanta tramoia que você se vira para os seus parentes e diz:

– Querem saber de uma coisa?! Desisti desse negócio de tentar conhecer Jesus! Não entendi se ser cristão é ser manso ou agressivo, se tenho de orar berrando ou não, se devo seguir a Bíblia ou coisas ensinadas por demônios, se devo cantar a Deus com respeito ou se devo ter um romance com Ele, se devo ir a uma igreja ou a uma comunidade que se reúne numa sala de estar…o que, afinal, é ser cristão?! Cadê a união?! Cadê a unidade?! Cadê “para que sejam um, assim como somos um”? Chega! Cansei! Preciso de um lugar onde eu encontre amor verdadeiro, unidade, paz e esperança! E não estou encontrando isso nessa tal igreja evangélica! Fui!

Aí, convidado por um colega de trabalho, você vai visitar um centro de outra religião. Ali você encontra pessoas mansas e humildes de coração, que falam com carinho e ajudam o próximo. Fala-se ali muito de amor. Faz-se muita caridade. E você descobre que ali é o lugar onde tudo faz sentido. Igreja evangélica? Não, obrigado.

E aqui acaba nosso exercício de imaginação, com a derrota total do cristianismo. Com uma chamada “igreja evangélica” tão falida que mais espanta que atrai. Que não tem apresentado nem representado Jesus de Nazaré. The End.

Mas…

Um segundo só. Por favor, ainda não vá embora.

Pois essa história pode não acabar aqui.

Façamos outro rápido exercício de imaginação. Imagine uma igreja onde o Evangelho é pregado como Jesus ensinou. Sem shows, sem balbúrdia, sem marketing. Sem palcos iluminados, com sistemas de som espetaculares e sem nenhum equipamento de  filmagem. Que siga hierarquias e liturgias bíblicas, não opressoras, mas defensoras da ordem e da boa administração e condução do Corpo de Cristo. Que tenha um modelo discipular, voltado a formar não consumidores da fé, mas discípulos do Senhor Jesus. Onde a leitura da Biblia, o jejum, a meditação, a oração e outras disciplinas fundamentais da fé cristã sejam estimuladas. Onde haja poucos membros, mas que esses poucos se conheçam pelo nome, se tolerem, se ajudem, intercedam uns pelos outros. Onde seja pregado o verdadeiro Evangelho, o Evangelho da renúncia, do “tome a sua cruz e siga-me“. Onde a mensagem não seja “o que eu posso ganhar”, mas “o que eu posso dar”. Onde ame-se a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si  mesmo (pelo menos tente-se fazê-lo). Onde dinheiro não seja causa, mas consequência, e algo que fique lá no fim da fila em termos de importância. Onde os pecadores não sejam apedrejados e expulsos, mas amparados, acolhidos, orientados, discipulados e postos novamente de pé. Onde Cristo seja glorificado na simplicidade. Onde uns lavem os pés dos outros. Onde haja contrição e confissão de pecados. Onde se pregue sobre morte, sofrimento, derrotas e dor – porque sim, isso também faz parte da fé. Essa igreja é possível. Acredite, é possível. Não há uma igreja perfeita. Mas essas igrejas onde busca-se o Evangelho puro e simples, longe dos holofotes e das colunas sociais gospel existem. Geralmente são anônimas, desconhecidas da mídia ou do grande público. Geralmente, seus pastores têm nomes que você nunca ouviu falar. Geralmente é onde se reune aquele remanescente que não dobrou seus joelhos a Baal.

Não desista dessa busca. Ainda há igrejas onde você encontra Jesus de Nazaré. E onde você consegue viver o cristianismo como o cristianismo foi feito para ser. Desligue a TV com seus astros da fé, pare de ouvir grupos e cantores da moda, esqueça os ventos e os modismos, fuja de seminários estranhos, tire o diabo do centro e concentre-se em Deus… e procure essas igrejas. São igrejas anônimas, pequenas e desconhecidas, mas onde Jesus se orgulha de entrar e de dizer: “Aqui sim me sinto em casa”.

Paz a todos vocês que estão em Cristo

Você já parou para pensar a razão de Deus ter escolhido justamente um livro como forma de perpetuar sua revelação específica? Ele poderia ter optado pela tradição oral ou por uma série de outros meios, mas não: o Todo-Poderoso quis se revelar por meio de tinta no papel. Será que isso não nos diz nada?

Claro que quando falo “livro”, devemos lembrar que os manuscritos originais (os “autógrafos”) não foram livros como os conhecemos hoje (formato historicamente chamado de “códice”). As cartas e os textos originais em que as verdades sagradas foram registradas eram provavelmente pergaminhos feitos de plantas ou superfícies elaboradas com couro de animais – a tecnologia disponível na época em que cada texto foi escrito – e em formato de rolos enormes. Mas, independente do formato, entendemos que o recurso de registro daquilo que o Autor da Biblia escolheu foi tinta sobre uma superfície. O que hoje e por muitos séculos ganhou o formato que conhecemos por livro.

Reconhecido isso, voltamos à questão inicial: por que um livro? Quando analisamos a importância da literatura ao longo da História, começamos a achar pistas que responderiam essa pergunta.

1. Livros provocam reflexão. Leitura exige silêncio e concentração. Para ler é preciso uma certa introspecção, distanciamento de vozes e ruídos externos. Por isso mesmo, ler nos leva a um isolamento do mundo exterior, o que proporciona reflexão. E o Evangelho exige reflexão, uma vez que se espera que o leitor receba a mensagem, pense e, ao ser tocado pelo Espirito Santo, mude suas atitudes. Logo, o livro é o melhor meio de transmitir uma mensagem destinada a mudanças de vida, de valores e de atitudes.

2. Livros são acessíveis. O texto escrito nos permite voltar a ele quantas vezes quisermos. Se Deus tivesse escolhido, por exemplo, transmitir sua revelação por meio de uma casta de homens que decorassem as palavras sagradas e as declamassem do alto de um minarete diariamente não poderíamos recorrer quando quiséssemos a esses homens. Livros estão à mão. Podemos buscá-los a cada momento que quisermos em busca de comunhão, esclarecimento, respostas, consolo, exortação. Por isso a tradução do texto bíblico para a língua do povo a partir dos originais grego, hebraico e aramaico e, posteriormente, do latim foi tão importante: permitiu que eu e você tivéssemos acesso fácil, rápido e ilimitado às palavras inspiradas.

3. Livros viajam. No meio editorial existe um jargão que se refere ao potencial que um livro tem de alcançar o maior número possível de pessoas. Quando um editor de livros pergunta “esse livro viaja?”, o que ele quer saber é se aquele livro tem potencial de permanecer sendo lido por muito tempo, de ser traduzido em outras línguas etc e assim alcançar muitos leitores. A Biblia em formato de livro tem esse potencial. Ela ultrapassa fronteiras. Ela passa de pai para filho. Ela perpetua seu conteúdo.

4. Livros não erram. Todo mundo já brincou de telefone sem fio. Palavras ao vento são passíveis de erros, de gafes, de falhas. Mas o preto no branco é imutável, está ali, registrado. Naturalmente, é possível haver equívocos na copiagem ou na tradução, mas aquilo que uma vez está registrado não se altera. É fonte segura.

5. Livros só se perpetuam se o conteúdo for relevante. Se um livro tem conteúdo irrelevante ele vai deixar de ser editado, não será reeditado, ninguém mais o venderá nem comentará sobre ele e essa obra se perderá na história. Então, inversamente, se algum livro chegou até as suas mãos décadas ou mesmo séculos após seu lançamento você pode ter certeza de que contém um conteúdo que pelo menos vale a pena ser lido – mesmo que você discorde dele. Por isso é tão importante ler obras que tenham cinco séculos de vida ou mesmo textos como “Confissões”, de Agostinho de Hipona, escrito há 1.600 anos. E o conteúdo da Bíblia dispensa comentários, por isso a tamanha difusão.

Deus não escolheu por acaso a tecnologia literária para se revelar. Ele escolheu o recurso mais eficiente e transformador.  Por isso, ter um livro em mãos é uma honra. Poder segurar uma obra que atravessou os séculos mudando e influenciando vidas é um privilégio. Livros são tesouros.

Diante dessa realidade, confesso que me assombro ao ver quão pouco o povo de Deus lê. Embora o índice de leitura estatisticamente seja maior no Brasil entre evangélicos do que entre membros de outras religiões, ainda assim é irrisório. E, quando lemos, muitos de nós preferem ler bobagens de autoajuda gospel, textos sobre vitória, relatos fantasiosos sobre batalha espiritual, obras escritas por aquele pastor ou aquela pastora que aparece na televisão… e ignoramos tesouros da literatura cristã. Temos à disposição pérolas da teologia bíblica, como “A imitação de Cristo”, de Tomás-à-Kempis; “As Institutas”, de Calvino; as obras de Dallas Willard, John Piper, Sam Storms, Richard Foster, Alister McGrath e tantos outros que têm dado brilho ao pensamento teológico e devocional… mas damos preferência a certas leituras que valem menos que palha.

Outro problema é que, do tempo escasso que temos ao nosso dispor, preferimos gastar horas e horas e horas assistindo a programas de televisão que não servem para absolutamente nada. Nada! Chega a ser risível. A televisão é um meio que não gera frutos, se formos pensar epistemologicamente. Meu Deus, o que nossos cérebros fizeram de errado para lhes impinjamos tamanho castigo? Me perdoem os amantes da TV, mas não consigo supor que se Deus fosse transmitir sua revelação nos nossos dias ele faria num teledocumentário. Ou uma minissérie. Simplesmente porque programas de TV não promovem nenhuma reflexão. Nenhuma mudança de vida. Nenhum avanço. Nenhuma revolução. Nenhuma transformação. Nada, nada, nada. São mero entretenimento feito para ser esquecido.

Somos uma civilização encantada pela irrelevância. Faça um exercício de memória e tente imaginar a quantidade de assuntos diferentes que passaram diante de seus olhos na tela da TV durante, digamos, uma semana. Experimente, faça isso ag. Eu espero.

Pensou?

Conseguiu lembrar?

Se por acaso foi capaz de lembrar de algo, rsponda agora: quantos desses assuntos de fato são importantes? Quantos enlevaram sua alma? Quantos fizeram você ajudar mais o próximo? Quantos fizeram de você uma pessoa melhor? Quantos te fizeram menos carnal e mais espiritual? E, tá bom, esqueça o aspecto espiritual: quantos tiveram qualquer importância de fato na sua vida? Ou foram apenas um monte de entulho de imagens e sons que invadiram sua mente e não produziram nenhum benefício?

Muitos de nossos pastores estão deixando de ler. Com isso, põem de lado a pregação das verdades fundamentais da fé para desperdicar preciosos momentos de pregação falando sobre  aquilo que está na pauta dos telejornais e programas de debate de auditório. Como não têm substância, não pregam pão, pregam jujubas. Esquecemos da relevância do que foi consagrado no livro para a irrelevância do que está sendo explorado na TV.

Fico imaginando Deus ouvindo as conversas do seu povo e pensando que teve tanto trabalho para perpetuar suas verdades por um meio tão fantástico como um livro e agora os que se chamam pelo seu nome pautam o diálogo pelo que veem entre um plim plim e outro. Com uma Igreja formada no máximo por má literatura ou horas e horas de TV, não é de se espantar que o meio evangélico esteja tão cego, surdo e nu como está hoje. O que nos espera? Tenho até medo de pensar.

A boa notícia é que esse quadro pode ser revertido. Para isso, precisamos passar menos horas na frente da televisão. E passar mais tempo lendo bons livros. Deixar de consumir audiovisuais prontos e mastigados e absorver aquilo que faz nosso cérebro se desenvolver. Temos que ler mais. Pensar mais. Malba Tahan já dizia que “quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê”. Imagine então isso aplicado à nossa vida espiritual.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Sentado no ônibus, exausto, após um dia de cansativo trabalho, estava eu absorto escrevendo um texto aqui do APENAS (confesso, o único momento livre que tenho para escrevê-los são minhas viagens de ônibus) e mal reparei nas pessoas que começaram a se aglutinar em pé no ônibus, que enchia mais e mais a cada nova parada. Com minha visão periférica até percebia que troncos, quadris e pernas passaram a ocupar o espaço ao meu redor, mas confesso que não dei muita atenção a eles – afinal é sempre assim, faz parte da rotina de quem anda diriamente de ônibus. Foi quando senti que, em determinado momento, uma mulher parou, em pé, ao lado do assento onde eu estava, chegando a roçar diversas vezes em meu ombro devido ao balanço do veiculo – o que, naturalmente, me imcomodou. Mas, absorto que estava em meus escritos, não reparei muito nela, afinal era apenas mais uma entre tantas herdeiras do feminismo (o movimento que entre outros prejuízos que trouxe às mulheres transformou o cavalheirismo numa peça de museu). E assim prosseguiram meus 60 minutos de viagem: comigo ali, sentado num certo nível de conforto, e dezenas de pessoas em pé, apenas suportando a dureza da viagem. A tal mulher também. Até que chegou a hora de eu saltar. E foi então que…

Só quando fiquei de pé e acionei o sinal de “parada solicitada” foi que de fato olhei para aquela mulher. E, para minha eterna vergonha, percebi que ela estava grávida. Sim, meus amigos, para meu constrangimento e meu vexame absolutos, reparei que havia passado uma hora sentado numa cadeira onde há um aviso que diz “assento reservado para gestantes, mulheres portando bebês, idosos ou deficientes físicos“… ao lado de uma gestante, de barriga proeminente, que viajou o tempo inteiro em pé.  Não tive nem tempo de me desculpar quando me levantei e vi a mulher sentar-se onde eu estava, com uma cara de, enfim, alívio e descanso. Pois meu ponto chegou e eu tive de descer às pressas.

Os adjetivos que pensei a meu respeito foram de “canalha” e “pulha” a “imbecil” e “cabeça de vento”.  Qualquer orgulho que eu tivesse de meu “generoso espírito cristão” ficou pelo chão. Caminhei pela rua sentindo-me o pior dos seres humanos. Mas, em determinado momento, uma luz se acendeu: a culpa não tinha sido da minha falta de cavalheirismo, de educação ou de bons modos. A culpa tinha sido minha sim, mas pelo fato de eu não ter dado a mínima atenção aos seres humanos que me cercavam. O que é algo muito pior do que falta de cavalheirismo.

Sim. Naquele momento percebi o quanto ignoramos as pessoas ao nosso redor. Não as notamos. Não lhes damos atenção – exceto quando é aquela mulher de corpo escultural que faz qualquer cristão clamar o sangue de Jesus ou quando nos incomodam, como a jovem que neste exato instante insiste em apoiar os joelhos nas costas da cadeira do ônibus onde estou. Ah, essas pessoas a gente percebe rápido, pois, afinal, estão afetando ou incomodando o indivíduo mais importante do universo em nossa opinião: EU. Sim, sou egoísta de dar dó. Egocêntrico. Seja feita a minha vontade, assim na terra como no céu. Eu, eu, eu. E os demais se tornam coadjuvantes dessa grande ópera cujo único solista é este ser que habita meu corpo.

O episódio me fez refletir sobre o quão pouco olhamos para os outros. Aqueles que a Biblia chama de “meu próximo”. Mas que, na prática, eu trato como “meu mais distante possível”.  Confessemos, sejamos honestos, sem santarronices ou hipocrisias: quanto nós realmente estamos preocupados DE FATO com a vida deles? Com suas dores? Suas angústias? Seu conforto? Sua paz? Na maioria das vezes, nem notamos o vazio que inunda seus corações, simplesmente porque nem ao menos paramos para olhar bem dentro de seus olhos – pois a Biblia nos ensina que “os olhos são a candeia do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz” (Mt 6.22). E quantos estão por aí com os olhos opacos, cansados e sobrecarregados ao nosso redor, o que denuncia uma total ausência de luz em suas almas, mas nós não notamos! Não percebemos! Estamos tão preocupados com nossos próprios problemas (que, lógico, são os maiores que a humanidade já  enfrentou!) que não damos a mínima para aquilo que importa para o coração alheio.

Nem ao menos sabemos ouvir. Se começamos um diálogo com alguém, repare que em 99% das vezes estamos apenas esperamos nossa vez de falar. O que o outro diz? Ah, isso é secundário, desde que as MINHAS necessidades sejam supridas e eu consiga falar dos MEUS problemas.

Somos cristãos que adoram um culto, amam um louvor emocionante, vibram com uma boa pregação, mas fugimos com toda a pressa e todas as nossas energias de nos envolvermos com o próximo – pois ouvir, ajudar e se preocupar com o outro dá muito trabalho. E ter trabalho dá trabalho. E qual de nós, habitantes da sociedade do menor esforço, quer ter trabalho?

Meu irmão, minha irmã, cuidar de almas dá trabalho. Exige tempo. Paciência. Dedicação. Exige telefonemas. Visitas. Orar junto. Se envolver na vida alheia. E isso, vamos combinar, não é o nosso forte. Mais fácil e menos trabalhoso é receitar um rivotril e continuar nos preocupando com nossos próprios problemas (às vezes tão sérios como “devo usar hoje a gravata vermelha ou a rosa?).

Que vergonha de nós, vermes egoístas. Se Deus pudesse errar, o que não pode, eu diria que Ele teria errado no segundo maior mandamento. Que não deveria ser “amar o próximo como a mim mesmo”, mas sim “amar a mim mesmo como ao próximo”, pois, quem sabe assim, valorizaríamos mais o amor que devemos dedicar ao outro. Mas, sejamos duros e francos, a esmagadora maioria de nós, cristãos, não está nem aí para quem senta ao nosso lado no banco da igreja. Quanto mais quem está em pé ao nosso lado no ônibus.

Vivemos como formigas que se encontram, trocam duas ou três antenadas e prosseguem em seus caminhos. Deveríamos olhar mais ao nosso redor. Perceber as pessoas. Ver a beleza que há nelas – e também a feiúra. Deveríamos ouvi-las mais. Falta-nos percepção do outro. Atenção ao outro. Visão do outro. E por uma simples razão: não enxergamos o outro.

“Fala, meu irmão, que o teu servo ouve”: isso deveria ser cristianismo.

Devo muito àquela grávida anônima, que me mostrou o quanto tenho ignorado aqueles que Deus diz que devo preferir em honra. Por meio daquela minha absurda falta de respeito e amor ao próximo, Deus me conduziu a esta reflexão. E a partir de hoje quero me esforçar mais para conhecer quem cruzar o meu caminho. Perguntar seus nomes, me interessar por seu estado de espírito: o garçom gay do restaurante. O caixa mal-humorado do estacionamento do shopping. O rude trocador do ônibus. A lacônica faxineira do prédio onde trabalho. O exausto frentista do posto de gasolina. E, sim, o cidadão em pé ao meu lado no ônibus. Jesus também não morreu por cada um deles? E por que petulância eu tenho o direito de achar que meu papel no mundo, minha história de vida e meus problemas são maiores e mais importantes que os deles?

Os que a Bíblia chama de “meu próximo” são só minha família, meus amigos e aqueles que nos proporcionam benefícios? Ou são aqueles que tiveram fome e não lhes demos de comer; tiveram sede e não lhes demos de beber; foram estrangeiros e não os acolhemos, necessitaram de roupas e não os vestimos, estiveram enfermos e não cuidamos deles, estiveram presos e não os visitamos? Jesus deixa claro quem é nosso próximo na parábola do bom samaritano (Lucas 10.29-37).

O próximo é, antes de qualquer um, aquele cujo nome nós não conhecemos.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Desculpe a franqueza, mas você vai morrer. Pode ser daqui a 40 anos, 30, 20, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1…. Pode ser hoje! É, meu amigo, minha amiga, estamos em contagem regressiva. Eu, você, todo mundo. Essa percepção por si só já poderia despertar bilhões de terabytes de reflexões, como ocorre há milênios com a humanidade. Sim, é verdade, a finitude da vida faz a gente pensar. Não foram poucos os filósofos, xamãs, sacerdotes, cientistas e outros tantos que tentaram compreender esse fenômeno. Mas, no tocante a esse assunto, compreender não faz a mínima diferença: o que importa é que você um dia vai viver a sua morte.

A pergunta que devemos nos fazer a partir daí é: e o que eu posso fazer com relação a isso?

Honestamente? Nada. Tudo o que você pode fazer é morrer. Esperar pacientemente o dia em que vai vencer o prazo de validade do teu corpo e ele vai desabar no chão. Não se preocupe, você não sentirá a dor desse tombo. Pois estará morto. Você pode tomar suplementos, antioxidantes, homeopatia (pra quem acredita), malhar, caminhar, fazer yoga, dormir em câmaras hiperbáricas… essas coisinhas podem até retardar um pouco o processo, mas o dia vai chegar, meu caro. Tome você as precauções que tomar, ingira os remédios que ingerir, enriqueça as academias de ginástica que enriquecer. Conscientize-se: a morte vem aí.

Mas, sinceramente? Não estou nem um pouco preocupado com esse fato. E por uma simples razão: Jesus também não estava.

Como assim? Ora, pense bem, quantas vezes na Bíblia você vê Jesus preocupado com o fato de que ele iria morrer? A resposta é que você não vê. Simplesmente porque o Messias não dava a mínima para a morte. As atenções de Cristo estavam todas voltadas para o que faríamos ANTES de a morte chegar – pois o que faríamos antes Ele sabia que ecoaria por toda a eternidade. Ele enxergava a morte como inevitável, necessária e uma simples porta para o porvir.

Alguns podem dizer: “Ah, mas Jesus chorou na sepultura de Lazaro”. Só que o choro dele se deu por compaixão pelo sofrimento dos que ali estavam ao redor, não pela morte em si do amigo – até porque, vamos lembrar, Ele sabia que em poucos minutos Lázaro estaria vivo de novo. “Ah, mas Ele suou gotas de sangue enquanto esperava o início de sua Paixão”. Sim, mas não pelo fato de que iria morrer, e sim porque, como homem, antevia o sofrimento. E eu não gosto de sofrer, você também não…. por que você acha que Jesus gostaria? Masoquista certamente Ele não era. Tudo nos leva a crer que Jesus detestava sofrer, tanto que pediu ao Pai que, se possível, afastasse dele aquele cálice.  Como carpinteiro ele deve ter dado algumas marteladas no dedão ao longo da vida e não o imagino cantando salmos espirituais nessas horas. Jesus sofreu por saber que sofreria, embora soubesse que era necessário. Mas não porque morreria.

Jesus não se preocupou com a morte. Em Marcos 10.32-34, por exemplo, presenciamos um diálogo dele com seus discípulos em que vemos que  “novamente ele chamou à parte os Doze e lhes disse o que haveria de lhe acontecer:  ‘Estamos subindo para Jerusalém e o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios que zombarão dele, cuspirão nele, o açoitarão e o matarão”. Repare uma coisa que em geral passa despercebida numa leitura mais superficial e irrefletia dessa passagem: a placidez com que Cristo descreve a terrível maneira como enfrentaria o fim de sua vida. Se fosse eu, estaria desesperado, correndo de um lado para o outro, ligando para amigos influentes, tomando calmantes, tentando fugir do país, me escondendo… mas Jesus não. E por uma única razão, explicitada na frase que o Cordeiro de Deus diz logo em seguida, no mesmo versículo: “Três dias depois ele ressuscitará”. Perceba: Jesus sabia que sua morte era um evento momentâneo e passageiro.

João 12.23ss também nos mostra Jesus com uma clareza e uma tranquilidade ímpares com relação à certeza de sua morte. Ouça suas palavras: “Chegou a hora de ser glorificado o Filho do homem. Digo-lhes verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto. Aquele que ama a sua vida, a perderá; ao passo que aquele que odeia a sua vida neste mundo, a conservará para a vida eterna”. Que palavras simplesmente lindas! Que evento glorioso! Ouvir Jesus pronunciar isso dá vontade de acelerar a contagem regressiva e correr para os braços da morte. É claro que nosso instinto de sobrevivência não nos permite fazer isso. Mas, racionalmente, apenas lendo essas palavras… bem-vinda, morte!

E para quem tem certeza de sua salvação, põe “bem-vinda” nisso”! Até porque a Bíblia deixa claro que depois da cortina que separa esta vida do porvir há algo espantoso. Paulo fala sobre isso em 1 Co 2.9: “Mas, como está escrito: As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam”. E que coisas seriam essas? Acredite: coisas que nos deixarão felizes. Felizes! Espere, não passe direto pelo que estou dizendo, pare um pouco.

Reflita.

Pense sobre isso.

Pense sobre isso e sobre a beleza disso: vivemos nossas vidas a cada dia com um único objetivo: ser felizes! E é e-xa-ta-men-te isso o que a Bíblia nos promete no porvir: FELICIDADE. Que seremos FELIZES. Repare as palavras escolhidas a dedo pelo apóstolo João, inspirado pelo Espírito Santo: Apocalipse 19.9 escancara que são “felizes os convidados para o banquete do casamento do Cordeiro!” E em Ap 20.6 que “felizes e santos os que participam da primeira ressurreição! A segunda morte não tem poder sobre eles; serão sacerdotes de Deus e de Cristo”.

Desculpe a franqueza, mas você vai morrer. Pode ser daqui a 40 anos, 30, 20, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1…. Pode ser hoje! É, meu amigo, minha amiga, estamos em contagem regressiva. Eu, você, todo mundo. Mas, depois da bandeirada de chegada o que está reservado para nós não é um túmulo escuro e frio. O que nos espera é um tabernáculo onde “Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos, o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou.  O vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu Deus e ele será meu filho.” (Ap 21.3-7). Confesso: leio isso e lágrimas escorrem de meus olhos. Pois eu sei que vou morrer. Mas, muito mais que isso: eu sei que vou viver.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

A frase está na moda: “Jesus nunca construiu templos“. Geralmente, esse mantra é repetido por pessoas bem intencionadas, cristãos que se revoltam contra modelos de igrejas abusadoras, legalistas, cheias de normas humanas e onde as pessoas se reúnem em geral para assistir a cultos e não para viver uma vida diária de fé. Na cabeça desses irmãos, o famigerado templo se tornou o símbolo de um modelo falido, anticristão, injusto e meramente formalista. Seriam paredes vazias, sem espiritualidade.

Naturalmente, esses irmãos acabam, mais dia, menos dia, abandonando suas igrejas. “Afinal, o templo do Espírito somos nós”, argumentam, “e não precisamos de templos de pedras”. “Nós somos a Igreja e não precisamos de igrejas”, bradam. Assim, mediante o desprezo que nutrem pelos templos feitos pelas mãos de homens e por todo o significado que trazem consigo a respeito das instituições que abrigam, alguns desses cristãos se tornam “desviados”. Outros ficam em casa e acham que podem viver um cristianismo fora da coletividade (o que não é bíblico). E há ainda aqueles que buscam comunidades alternativas (que são tão institucionalizadas como qualquer igreja, como já discuti no post “Jesus X Igreja: tornei-me cristão quando saí da igreja“). Esses preferem se reunir em casas, jardins, quintais, salas de estar ou coisa parecida. Há nessa expressão uma certa ilusão de que assim estão vivenciando o cristianismo como se fazia na Igreja primitiva.

Desse modo, o templo tornou-se personificação do mal, do cristianismo de fachada, falido, desumano. O templo passou a ser associado a estruturas onde o indivíduo é apenas um número e não uma alma, onde o pastor é um senhor feudal no comando de um grupo de campesinos que lhe seguem por medo de desobedecer o “ungido intocável do Senhor”. E assim, na mente desses irmãos, clama-se constantemente: vade retro, templo.

É comum lermos no twitter, em blogs e outras redes sociais essa afirmação: “Jesus nunca construiu templos“. O que o indivíduo quer dizer com isso é que Jesus nunca teria se preocupado em criar esse tipo de estrutura, como as que existem hoje, que o Mestre só investiu nos relacionamentos e não em paredes. Em parte, é um argumento bonitinho, tem seu charme. Mas, por outro lado, é um argumento perigoso, pois desqualifica algo que Jesus não desqualificou. Como assim? Vamos por partes.

Primeiro (e isso seria só uma mera curiosidade), nós não podemos afirmar que Jesus jamais participou da construção de um templo religioso. Lembremo-nos que ele trabalhava em carpintaria. Quem sabe se em seu ofício de carpinteiro Jesus não teve de fazer bancos para sinagogas, mesas para rabinos ou mesmo vigas e telhados para templos judaicos? Nós não sabemos isso. Como profissional de carpintaria Jesus pode muito bem ter se envolvido na construção de templos ou de elementos usados em templos, é algo que faz até bastante sentido. Então, só essa margem de dúvida já nos deixa no mínimo com uma pulga atrás da orelha com relação a esse argumento. Afirmar o inafirmável é muito perigoso.

Mas tudo bem, como trata-se de um argumento especulativo, o deixemos em segundo plano e nos concentremos naqueles que são factuais. Pergunto então o seguinte: só porque Jesus não fez pessoalmente alguma coisa isso a desqualifica? Por exemplo: Jesus nunca jogou futebol, até onde a Bíblia relate. Não deveríamos então eliminar os esportes da nossa rotina? Jesus nunca orou pedindo uma esposa, não deveríamos nós parar de fazê-lo então? Vamos além: o hábito dos judeus da época de Jesus era orar com os olhos abertos, fixos no céu. Então, por conseguinte, orar de olhos fechados como fazemos hoje seria errado? Prossigamos: Jesus pregou e ensinou muitas vezes sentado. Então púlpitos e tablados de salas de aula em seminários teológicos deveriam ser abolidos? E mais: Jesus nunca usou terno e gravata, então deveríamos ir às reuniões de túnica? As viagens de Jesus eram feitas a pé, logo todos os que criticam as estruturas eclesiásticas formais deveriam abolir carros e ônibus? E mais: Jesus nunca cozinhou macarrão. Não posso comer então um espagueti? A Bíblia não mostra Jesus cantando em corais, que fazemos então com os nossos? E repare: Jesus nunca escreveu um único livro sobre espiritualidade, teologia ou outros aspectos da fé cristã. Então devemos fazer uma grande fogueira com o que as editoras cristãs publicam? Só para terminar: Jesus nunca usou internet. Então o que você está fazendo aí lendo este blog, seu pecador?!?! E Jesus nunca tuitou. Então por que você tuita, seu legalista?!?!

E para aqueles que acham mais espiritual se reunir em casas do que em templos perguntaríamos: quantas casas a Bíblia diz que Jesus ergueu mesmo? Quantos jardins? Quantas salas de estar? Resposta: nenhuma. Zero. Então, pelo mesmo raciocínio lógico, se templos são instituições ruins para a prática cristã por Jesus nunca ter erguido um templo, logo casas, apartamentos, sítios e quaisquer outros ambientes também o são, visto que Jesus nunca construiu nada disso. O que é simplesmente um raciocínio absurdo.

Já é hora de, em vez de ficarmos repetindo sem pensar chavões, clichês e mantras que ouvimos por aí, ouvirmos o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto: “Onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18.20). E, meu amigo, minha amiga, se esses dois ou três estiverem dentro de um templo de uma igreja institucional pode ter certeza absoluta de que ali o Senhor Jesus estará presente. Queiram os críticos, quer não.

Poderíamos seguir por horas pensando em exemplos de coisas que Jesus não fez e que nós fazemos e… sabe aonde isso nos levaria? A lugar algum. Simplesmente porque o argumento de que algo é desqualificado espiritualmente porque “Jesus nunca fez” é de uma infantilidade sem par. É muito limitado. Pois o que importa são os princípios.

Afinal, deveríamos ter templos ou não?

Mas a questão de se deveríamos ou não ter templos é interessante, então falemos um pouco sobre o uso de templos dentro da fé e da prática cristãs. E aqui é importante ter conhecimento histórico. No início do cristianismo, da época de Jesus até o ano 313, quando Constantino emitiu o Édito de Milão, a fé cristã era proscrita. Era necessário fazer reuniões e cultos de maneira disfarçada, pois as celebrações cristãs eram passíveis de morte devido à legislação do Império Romano. Logo, as pessoas iam às casas umas das outras fingindo uma visita social para ocultar as intenções de culto – exatamente como acontece hoje em países como a China, onde participar de cerimônias cristãs pode lhe condenar à morte. Isso não tinha absolutamente nada a ver com uma suposta reprovação de templos. Não se podia erguer templos simplesmente porque a coisa tinha de acontecer na surdina e não porque cultuar em casas fosse “mais espiritual” ou “mais dentro do espírito de Cristo”. Simplesmente era proibido.

Pelo contrário, escavações arqueológicas já revelaram o mais antigo local de culto cristão do mundo (foto ao lado), em Rihab, a 40 Km de Amã, na Jordânia, construído entre os anos 33 e 70 da nossa era. O templo (atenção, eu disse templo) subterrâneo, de estrutura circular, possui vários escalões e assentos de pedra para os sacerdotes. A tese dos arqueólogos sustenta que o local acolheu os primeiros cristãos até à data em que os romanos abraçaram oficialmente a fé, no século IV. Pelo que se encontrou ali, tudo mostra que esse local cristão encontrado seja o mais antigo onde se celebrou Cristo com orações e liturgia.

Além disso, quem teve a oportunidade de visitar as catacumbas dos primeiros séculos, como a de San Calixto, em Roma, ou as de Nápoles (como eu tive) vê claramente que, em meio a todas as sepulturas, havia câmaras que serviam para a celebração religiosa e a realização de cultos. Ou seja, poderíamos chamar de mini-templos, uma vez que o fato de serem escavados sob a terra limitava seu tamanho. Tudo isso são provas de que a Igreja primitiva nunca teve nada contra a reunião e a celebração litúrgica de cerimônias cristãs em ambientes especificamente preparados para esse fim (templos, veja você), ao contrário do que o grupo de irmãos anti-templo vive repetindo. Isso é um fato histórico.

Mas esses templos que havia nos três primeiros séculos eram minoria, devido ao caráter proscrito da fé cristã naquele tempo. O padrão era celebrar os cultos em residências, para que as autoridades não descobrissem. Era mais fácil e mais discreto. Não tinha nada a ver com espiritualidade ou simplicidade. Chega então o Concílio de Niceia, em 313 a. D. e o imperador Constantino ordena o fim da perseguição aos cristãos e a liberdade de culto. Agora os cristãos não tinham mais que se esconder e podiam prestar adoração à luz do dia. Começou-se então a construir templos no formato de grandes edificações, que seguiam o modelo do que já existia e era bastante comum naquela época: as basílicas romanas.

As basílicas eram prédios dedicados à administração da cidade, fóruns civis e coisas parecidas. O formato era ótimo, pois eram espaços amplos e com boas acústicas. E agora, com os cristãos que antes se escondiam podendo assumir publicamente sua fé, junto aos muitos indivíduos que começaram a se converter (uns de fato e outros por puro interesse, ressalte-se), o número de cristãos visíveis tornou-se enorme. E, naturalmente, desejaram expressar-se em coletividade. Como eram muitas pessoas afluindo aos templos, tornou-se necessário erguer santuários grandes, com capacidade de abrigar muita gente.

E assim foi, ao longo dos séculos. Os homens ergueram as grandes catedrais, numa manifestação da grandeza de Deus (o pé direito alto, por exemplo, tem o objetivo de elevar os olhos do fiel para cima, para a transcendência, nada é à toa na simbologia de um templo cristão). Hoje, temos joias arquitetônicas espalhadas pelo mundo que são marcos da caminhada cristã ao longo dos séculos. Como muitos odeiam o passado, talvez isso lhes soe como uma ofensa. Mas quem sabe valorizar a trajetória da Igreja ao longo de seus 2 mil anos sabe que tem muito a aprender com o que aqueles que vieram antes de nós fizeram, seja errando ou acertando.

E, assim, os templos chegaram aos nossos dias. Depois da Reforma Protestante, um pouco mais destituídos de grandiosidade, mas igualmente eficientes. Quantos e quantos não foram os pecadores que receberam a mensagem da salvação por terem ido a cultos realizados em templos tradicionais ou mesmo, em nossos dias, em antigas salas de cinema ou em auditórios como o da Asociação Brasileira de Imprensa. Ou mesmo em igrejinhas de beira de estrada. Ou ainda – e temos de reconhecer isso, apesar de todas as restrições – em projetos megalômanos como a Catedral Mundial da Fé. Fato é que os templos continuam servindo de referência religiosa, de local de convergência, onde o pecador, o desesperado, o desiludido, o suicida vão em busca de alento e de transformação. Só por isso já valeria a pena termos essas referências, esses locais caraterísticos, que aqueles que os veem subentendem imediatamente que ali se reúne o povo de Deus.

Quando Jesus me converteu, eu estava numa situação de profunda tristeza. Senti-me tocado pela necessidade de buscar Deus. Era ignorante, não sabia onde. Não conhecia nenhum grupo alternativo que se reunisse em casas nem comunidades de fé menores ou células domésticas. Se eu olhasse em volta, só veria casas e prédios. Mas eu sabia muito bem onde ficava o templo da Assembleia de Deus na Ilha do Governador, bairro do Rio de Janeiro onde eu morava. E foi por ter esse referencial que me arrastei até lá, deprimido e em lágrimas, em busca do colo de Deus. E o encontrei, na forma de irmãos que me ouviram, oraram por mim, pregaram a Palavra, me aconselharam e me acolheram. Lembro-me, por exemplo, do querido irmão Tinoco, que me recebeu naquela manhã. E tudo isso porque ali havia um templo. Que Jesus não construiu. Sim, é verdade, Jesus não construiu o templo da Assembleia de Deus na Ilha do Governador. Mas ali e em outros milhares de templos cristãos espalhados pelo mundo milhares de pessoas sabem que podem se encontrar para buscar palavras de esperança, de renovação, de justificação. Palavras de vida eterna. E exercer plenamente a sua espiritualidade.

Quer saber? Pensando nisso percebo que quem construiu o templo daquela igrejinha onde fui resgatado da dor, do sofrimento, do pecado e da morte eterna foi Jesus sim. Pode não ter sido com as próprias mãos, mas acredito que Ele estava segurando na mão de cada pedreiro que a construiu. E mais: se Jesus nunca erigiu pesoalmente nenhum templo, não creio que os desaprove. Até porque, convenhamos, seria muito ruim nos reunirmos na chuva.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Como editor de livros cristãos fiquei impressionado ao descobrir em uma pesquisa junto a livrarias evangélicas que um dos três assuntos que mais vendem livros entre a nossa gente é batalha espiritual. Prova de que nós, cristãos, somos absolutamente fascinados por esse assunto. Queremos ver nosso Deus guerreiro arrebentar com o capeta, mandá-lo pro quinto dos infernos a pontapés, sob nossos brados de glória e aleluia. Entendo muito bem do assunto. Já frequentei círculos onde se dava muito valor a isso, onde o diabo era uma figura onipresente nas orações, nos cultos, nas conversas, no dia a dia dos irmãos. Parecia até que ele tinha cadeira cativa na primeira fila. Hoje, tendo lido, vivido e praticado minha fé um pouco mais, me atrevo a enxergar aquilo que considero um grande erro no discurso cristão com relação ao Diabo. E é sobre isso que quero conversar com você.

Antes de mais nada, preciso avisar aos adeptos do liberalismo teológico que os respeito mas não concordo com vocês. Acredito sim que Satanás e os demônios são seres pessoais, que atuam sim nas esferas terrena e celestial, militando contra a Igreja de Cristo. Creio em possessão demoníaca e já participei de exorcismos (não televisionados e sem plateia, ressalte-se) em que presenciei situações que ninguém nunca me convencerá terem sido crises de epilepsia. Então sou bem ortodoxo, fundamentalista e bem pouco iluminista quando o assunto é demonologia. Creio que, ao contrário do que defende a Teologia Liberal, Satanás é de fato uma entidade pessoal. Só para você ter uma ideia, há nas escrituras 177 menções ao Diabo em seus vários nomes. Além disso, a Bíblia deixa claro que ele tem intelecto (2 Co 11.3); emoções (Ap 12.17) e também vontade (2 Tm 2.26). Em Mt 25.41 fica claro ainda que ele é moralmente penalizável por seus atos, o que jamais ocorreria se ele fosse apenas uma metáfora ou um símbolo da maldade humana, como advogam alguns. E mais: Satanás é descrito por pronomes pessoais e é fortemente adjetivado no relato bíblico.

Tendo dito isso, vamos ao que interessa: O grande equívoco que nós, cristãos, cometemos, é achar que Deus e o Diabo estão numa batalha espiritual em pé de igualdade. Que a força que Deus tem cá o Diabo tem lá e que as chances de vitória em qualquer batalha espiritual são de 50% a 50%. É essa imagem da queda de braço aí ao lado, onde o Supremo Criador do Universo se vê numa disputa de igual pra igual, em que tudo pode acontecer, em que há isonomia de forças. Nada mais longe da verdade.

DEMÔNIOS APENAS OBEDECEM E IMPLORAM A DEUS

Para começar: Deus é o criador do ser que se tornou Satanás. Ou seja: do mesmo modo que eu e você, como criaturas, dependemos do Senhor para tudo, precisamos de sua autorização para realizar qualquer intento, o líder dos demônios tem de enfrentar a mesma burocracia. Sim, Satanás é obrigado em tudo a dizer a Jeová: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus”. Ele não tem escolha. Pois o Diabo não pode mover uma palha sobre a terra ou nas regiões celestiais sem a autorização expressa de Deus. É como um cachorrinho, esperando que seu dono afrouxe a coleira e ele, assim, consiga avançar contra um dos eleitos do Senhor.

Isso fica claríssimo no livro de Jó. Para tomar qualquer iniciativa Satanás precisa que Deus conceda-lhe o direito. Veja que em Jó 1.12 o Senhor diz a Satanás: “Pois bem, tudo o que ele possui está nas suas mãos; apenas não toque nele”. Ele usa o verbo no imperativo, isto é, trata-se de uma ordem, algo que vem de cima para baixo: “não toque”. Em nenhum momento há uma barganha: há uma concessão.

Depois, na tentação de Jesus no deserto, as palavras de Cristo em Mt 4.10a são absolutamente reveladoras: “Jesus lhe disse: Retire-se, Satanás!”. Perceba o que está acontecendo aqui. Jesus de Nazaré, o Deus encarnado, vira-se para aquele que tantos de nós temem e simplesmente dá-lhe uma ordem. Se Satanás vivesse em pé de igualdade na batalha espiritual, se ele lutasse de igual para igual com Deus, no mínimo ele responderia um “qualé, Jesus, vai encarar? Tá se achando, é?”. Mas não. Sabe o que o Diabo faz quando Jesus diz “retire-se”? Vamos para o versículo seguinte: “Então o Diabo o deixou”. Uau. Que moral. Não houve luta, não houve batalha, não houve barulho. Jesus disse e o Diabo simplesmente e subordinadamente obedeceu. Prova de que o nível de autoridade do Mestre é infinitamente, extraordinariamente, magnificamente, inquestionavelmente superior ao do adversário. Que é adversário nosso, não dEle, como já veremos.

Há ainda outra passagem fantástica que revela essa realidade. Marcos 5 nos conta que ao chegar a Gadara Jesus se depara com um endemoninhado. A história se repete. Quando aquela legião de demônios se vê diante do Rei dos Reis o que ela faz? Guerreia? Peleja? Luta? Enfrenta? Encara? Sai gritando “vamos lá, essa é a chance de derrotar Jesus!”. Nada disso. Ouça bem: “E implorava a Jesus, com insistência, que não os mandasse sair daquela região. Uma grande manada de porcos estava pastando numa colina próxima. Os demônios imploraram a Jesus: ‘Manda-nos para os porcos, para que entremos neles’.” (Mc 5.10-12). O demônios imploraram. Segundo o dicionário, isso significa que eles suplicaram, pediram encarecidamente e humildemente. Isso parece atitude de quem entra numa batalha de igual para igual? E assim é em todas as manifestações demoníacas que a Biblia relata: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Ou melhor: quem já é réu de juízo.

SATANÁS NÃO É INIMIGO DE DEUS, MAS DOS HOMENS

Deus é onipotente, isto é, pode tudo. O Diabo é teopotente (com o perdão do neologismo), isto é, só pode o que Deus lhe permite poder. Então, a imagem medieval de Deus guerreando com o Diabo em condições de igualdade é tão esdrúxula como imaginar que um rinoceronte e uma formiga são capazes de competir em igualdade de força, poder e domínio. Apocalipse fala da batalha final de Armagedom. Mas imaginar que essa batalha é como um Fla X Flu, em que tudo pode acontecer, em que há chances de qualquer um ganhar, é uma ideia extremamente infantil. Toda e qualquer luta entre Deus e o Diabo é como um jogo entre a seleção brasileira titular de futebol e o timinho mirim sub-10 do Cáceres Matogrossense (que para quem não sabe é considerado o pior time do Brasil). Chega a ser risível imaginar uma derrota da seleção.

Deus sempre ganha. Sempre. Sempre. Simplesmente porque a grandeza, o poder e a majestade do Ser infinito, eterno, onipotente, inefável, magnífico que é o Senhor do Universo é absolutamente, impensavelmente, descomunalmente superior a toda e qualquer capacidade que esse mísero ser criado, chamado Satanás, possa ter.

Satanás não é inimigo direto de Deus: é uma pedra incômoda no sapato. Uma farpa no dedo. Satanás é sim inimigo dos homens, adversário nosso, pois ele tem a capacidade de nos sugerir que pequemos. Nem nos obrigar ele pode (salvo em caso de possessão). Veja o que ele fez com Adão e Eva: não enfiou o fruto proibido goela abaixo deles, apenas sugeriu, deu ideias. Satanas é um grande sedutor. Nós fazemos e cedemos se quisermos. Repare que o anjo de Apocalipse 22.9 diz a João: “Sou teu conservo”. Analogamente, os anjos caídos estão no mesmo nível hierárquico: co. Ou seja, “correspondente”, “correlato”. Eles estão em pé de igualdade enquanto inimigos dos seres humanos, jamais de Deus. Assim, devemos temer somente e tão somente aquele que pode lançar nossa alma no inferno (Mt 10.28), ou seja: Deus. Acredite: o Diabo não tem nenhuma autoridade para te condenar ao inferno. Isso é entre você e o Todo-Poderoso.

IGREJAS DIABOCÊNTRICAS

Pois bem, uma vez que pomos o Diabo no lugar que lhe é devido, começamos a perceber que ele vem sendo tratado pela Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo de maneira completamente equivocada: com honras e glórias.

“Ahn? Como assim, Zágari, tá maluco?”

Não mesmo. Repare que temos dado tanto destaque ao Diabo em nossas vidas que muitas vezes falamos mais dele do que de Deus em nossas orações e em nossos cultos. É um tal de repreender pra cá, expulsar pra lá, manietar, acorrentar, aprisionar… passamos tanto tempo usando os minutos que deveríamos estar dedicando ao Criador dos Céus e da Terra mencionando o Diabo que acabamos tornando nossos momentos na igreja diabocêntricos. E você consegue perceber o que há de mais grave nisso? Repare que quando pegamos o espaço que deveria ser totalmente devotado a Deus (como nossos cultos, nossos devocionais, nossas orações etc) e o usamos para dar espaço ao Diabo estamos fazendo exatamente o que ele queria e que resultou em sua queda: o pomos no lugar de Deus. Ou seja: quando fazemos de Satanás o centro de nossas atenções ele exulta, pois é exatamente o que queria desde o início: usurpar o lugar do Senhor. Nem que seja nas nossas atenções e em nossos pensamentos.

Cultos são momentos que, como diz o nome, servem para cultuar a Deus. Orações servem para relacionarmo-nos com Deus. Se O removemos desses momentos e pomos o Diabo no Seu lugar, pronto: sem percebermos entronizamos Satanás em nossas atividades, deixando o Senhor em segundo plano. Ah, e isso é tudo o que Maligno sempre quis! Veja: “Você, que dizia no seu coração: ‘Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo’.” (Is 14.13,14).

As nossas orações, então, em vez de representarem momentos de íntimo contato com o Abba, de aproximação com o nosso amado, com aquele que é maravilhoso, em vez de serem oportunidades de nos derramarmos ao Pai nosso que está no Céu, cujo nome é santificado e cujo Reino esperamos ansiosamente… vira um bate-boca com o Diabo e com os demônios. Que desperdício! E isso porque temos a ilusão de que temos de ficar guerreando eternamente contra esse ser que é tão inferior ao nosso amigo Jesus Cristo. Quando na verdade onde a luz brilha as trevas se dissipam.

BATALHA ESPIRITUAL SE GANHA ACENDENDO A LUZ

Quer fazer batalha espiritual? Acenda a luz de Cristo na tua existência. Traga Jesus para o centro de tudo. E ali ele iluminará todos os cantos de sua vida, eliminando todo e qualquer vestígio de trevas. Pronto, a batalha estará vencida. Simples assim. Sem mágicas, sem estratégias, sem abracadabra. Ponha Jesus no centro da tua vida e Ele iluminará teu corpo, alma e espírito. E, com isso, não sobrará espaço absolutamente nenhum para o Diabo agir.

Fico impressionado com grupos que criam “ministérios” onde ensinam sobre mapeamento espiritual, estratégias de guerra e um monte de outras coisas ligadas ao Diabo. Eu mesmo na minha infância de fé participei de alguns, fui a cursos e seminários. Passamos manhãs inteiras discutindo e aprendendo sobre demônios, principados, hierarquias e tantas outras invenções humanas que a Bíblia ignora totalmente. Joguei no lixo manhãs inteiras glorificando o Diabo, tornando-o o centro das atenções, quando poderia estar me devotando ao Cristo que veio à terra para desfazer as obras do maligno (1 Jo 3.8) e que o venceu na Cruz. Aprendi tantas coisas inúteis nesses seminários de batalha espiritual que uma simples leitura bíblica me teria ensinado com muito mais clareza lições infinitamente mais preciosas e eficazes.

Quer saber qual é a forma bíblica de Jesus de lidar com Satanás e os demônios? Pois bem, repare antes de qualquer coisa que é a forma como  alguém muito superior trataria alguém infinitamente inferior. Como um leão trataria um rato. Mateus 8.16 diz a respeito de Jesus: “Ao anoitecer foram trazidos a ele muitos endemoninhados, e ele expulsou os espíritos com uma palavra”. Repare, uma única palavra!

Jesus não se rebaixava a ficar conversando com demônios. Com uma única palavra os mandava embora. E isso era corriqueiro. Em Marcos 1, Jesus está numa sinagoga quando “justo naquele momento, na sinagoga, um homem possesso de um espírito imundo gritou: O que queres conosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos destruir? Sei quem tu és: o Santo de Deus”. Repare que o demônio que possuia aquele homem puxou o maior papo com Jesus. Mas sabe o que o Mestre fez? Não deu a menor trela. Tudo o que ele falou, segundo o versiculo 25, foi: “Cale-se e saia dele!”. Que coisa extraordinária! Repare bem: Jesus não permitiu que o demônio abrisse a boca! Mandou-o se calar. E sair. Só. Sem conversa, sem dar importância nem oportunidade de ele falar ou mesmo “ensinar” doutrinas de demônios. O resultado? O texto diz: “O espírito imundo sacudiu o homem violentamente e saiu dele gritando”. “Cale-se e saia dele”…e ele saiu. Uau.

Esse deve ser o nosso procedimento: cala e sai. Só. E sempre. Luz acesa, trevas dissipadas.

É como se Jesus quisesse dizer: “Tá, já tirei o cabelo da sopa, vamos nos banquetear agora?”. Mas tem gente que prefere ficar aos berros: “Tem um cabelo na minha sopa! Tem um cabelo na minha sopa! Tem um cabelo na minha sopa!”. E assim perde o principal. Que é Deus. A Cruz. A vida eterna. A Igreja. A comunhão dos santos. O amor.

VALORIZAR O DIABO EM NOSSAS CELEBRAÇÕES É DESTRONAR DEUS

A Bíblia é sobre Cristo.O Evangelho é sobre Cristo. Nossa vida cristã é sobre Cristo. Batalha espiritual é um assunto secundário. Se houver demônios os expulsamos e acabou. Se você reparar que está gastando muito do seu tempo lendo sobre eles, falando sobre eles e se preocupando com as sujeiras ligadas a eles é sinal que suas prioridades na vida de fé precisam ser reavaliadas. Cristianismo é sobre viver com Cristo e amar o próximo e não sobre ficar gastando horas e horas com demônios.

Deus não está no mesmo nível que o Diabo. Deus está no apartamento de cobertura e o Diabo, no capacho que dá entrada ao saguão do primeiro piso – pela porta dos fundos  Temos que tirar da cabeça essa ideia infantil de que eles estão no mesmo nível. Deus é criador. O  Diabo é criatura. Deus pode tudo. O Diabo só pode o que lhe é permitido. Deus manda. O Diabo obedece. Deus é vitorioso. O Diabo já perdeu. Deus viverá a eternidade em seu Reino de glória, honra e majestade. O Diabo viverá a eternidade na morte eterna do lago de fogo e enxofre. Deus ama seus filhos. O Diabo perdeu o amor de Deus. Deus merece toda a nossa atenção. O Diabo não merece nem mesmo um post num blog desconhecido como o meu. Logo, como já gastei tempo demais escrevendo sobre essa criatura incômoda que conseguiu fazer com que eu usasse um post do meu blog pra falar dele, nada melhor do que encerrar um artigo sobre o Diabo falando sobre Aquele que de fato merece que falemos dEle: Glória a Deus nas maiores alturas! Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas! Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos; a terra toda está cheia da sua glória. Santo, santo, santo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, que era, que é e que há de vir. (Lc 2.14a; Mt 21.9; Is 6.3; Ap 4.8)

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
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Nossa sociedade padece de um mal crônico que eu costumo chamar de “Síndrome de Caetano Veloso”. É um fenômeno que ocorre quando determinada pessoa de destaque em nosso meio se torna tão famosa que emitir qualquer crítica que seja a ela torna-se a pior de todas as heresias. E o que o pobre Caetano, que não fez mal a ninguém, tem a ver com isso? Bem, eu o uso como exemplo porque o cantor baiano é considerado tão genial, tão poético, tão perfeito em sua arte que qualquer pessoa que se atreva a criticar sua voz, sua música, suas letras ou mesmo uma opinião que ele emita em alguma entrevista é vista como “alguém que não entende nada”, “alguém que não sabe apreciar boa música”, “alguém que não conhece poesia” ou, simplesmente, um ignorante total. Caetano é realmente genial, um excelente artista. Mas, vamos ser francos: Caetano Veloso muitas vezes desafina, algumas de suas músicas são horríveis e já o ouvi falar grandes equívocos em entrevistas. Ou seja: não importa quão consagradas sejam certas pessoas famosas, ninguém está acima do bem e do mal, ninguém é isento de erros, ninguém paira acima de boas e saudáveis críticas.

Muitas pessoas famosas sofrem de Síndrome de Caetano Veloso. Tom Jobim, por exemplo, que eu amo de paixão, já tive a honra de entrevistar e considero o melhor músico da história do Brasil. Mas vamos reconhecer: cometeu erros, fez bobagens e alguma coisa de sua produção artística não vai deixar saudade. Mas, ah! Vá falar mal de Tom Jobim! Certamente olhares tortos virão em sua direção. Heresia! Heresia! Gritarão os fãs ensandecidos. E isso ocorre com muitas outras pessoas, como Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque, Ayrton Senna, Oscar Niemeyer, Pelé, Clarice Lispector e outros que, cada um na sua área de atuação, são tão consagrados que se você os critica ou questiona a qualidade daquilo que fazem ou fizeram… o errado certamente será você.

A questão é que no meio cristão a Síndrome de Caetano Veloso se manifesta com a mesma intensidade que no mundo. Nós, cristãos, nesse aspecto não somos nadinha diferentes dos não-cristãos. Gostamos de criar nossos ícones, de idolatrar nossos artistas, pregadores e afins e, se alguém tem a ousadia de criticá-los, saímos raivosos em sua defesa, acusando seus críticos de carnalidade, ignorância e, com bastante frequência, de estarem sendo usados pelo diabo. Venha alguém falar que aquela cantora gospel da moda tem uma voz insuportável e prepare-se para ser alvo de um fuzilamento da parte dos fãs ardorosos. Critique você aquele pastor famoso da televisão e tenha a petulância de dizer que aquela campanha que ele lançou no seu programa não tem nada de espiritual e é só uma estratégia humana para arrecadar dinheiro e comprar um jatinho particular. Nossa! Se você fizer isso é capaz de aqueles irmãos que idolatram esse pastor tentarem expulsar demônios de você e até mesmo pedirem sua cabeça no seminário teológico onde você dá aula.

Os desigrejados aplicarão a Síndrome de Caetano Veloso ao pastor que vive detonando a igreja institucional. Os adeptos da batalha espiritual aplicarão a Síndrome de Caetano Veloso ao grupo que dá seminários de mapeamento espiritual. As irmãs que suspiram por esse ou aquele cantor gospel aplicarão a Síndrome de Caetano Veloso ao seu artista favorito. Os intelectuais aplicarão a Síndrome de Caetano Veloso ao teólogo que consideram o grande pensador de sua era. Os emergentes aplicarão a Síndrome de Caetano Veloso ao pregador moderninho e carismático que fala a língua da contemporaneidade. Os cristãos mais sensíveis aplicarão a Síndrome de Caetano Veloso ao pastor que vive falando de amor nas redes sociais, mesmo que ele pregue as maiores heresias. Eu aplicarei a Síndrome de Caetano Veloso a alguém que admiro tanto, mas tanto, que nem consigo identificar quem é – pois a Síndrome de Caetano Veloso remove de nós todo senso crítico. Simplesmente nos sentamos aos pés da pessoa amada e idolatrada e suspiramos por ela, sem nos darmos conta da multidão de problemas que ela carrega. E pior: da multidão de maus exemplos que muitas vezes ela dá. Por isso que todos os dias procuro identificar quem são os meus caetanos velosos, quem são aqueles que estou deificando e olhando com um olhar menos bereano: pois sou tão passível de sofrer desse mal como você.

A desgraça dessa Síndrome é que ela põe homens e mulheres falíveis, equivocados, muitas vezes perversos, gananciosos e até mesmo inimigos da sã doutrina numa posição em que os blindamos de toda e qualquer crítica. E, com isso, alimentamos o ciclo do pecado.  Pois não há ninguém, seja pastor, pregador, semideus ou papa, que esteja acima de erro e que mereça nossa rendição incondicional e acrítica.

Exceto Jesus.

Ah! Por isso que é tão importante dirigirmos nossos olhos fixamente para o autor e consumador da fé! Pararmos um pouco (ou muito) de consumir programas de TV evangélicos e esse ou aquele cantor ou grupo musical, deixarmos de ir ao show gospel do momento e de ficarmos catando trechos de pregações desse ou daquele pregador no Youtube e passarmos a olhar mais para a Bíblia. Pois lá estaremos longe das estratégias de marketing, dos discursos bem ensaiados, dos pastores famosos do twitter, tão passiveis de errarem em suas teologias como eu, você, Marcião ou Allan Kardec. Na Bíblia teremos contato com o puro. Com o inerrante. Com o Cordeiro sem mácula. Com aquele que, aí sim, está acima do bem e do mal. A Bíblia é nosso abrigo, é a porta de acesso ao esconderijo do Altíssimo e à sombra do Onipotente. Na Bíblia encontramos o abraço amoroso do Santo dos Santos. E ali há beleza, calor, afeto e eternidade.

Faça um jejum de gente famosa. Tire um mês sem assistir a programas evangélicos na TV. Tire um período sabático sem ouvir seus grupos gospel prediletos. Ausente-se um pouco das muitas vozes do twitter. Ignore por algumas semanas blogs como o meu. E passe esse tempo tendo como única fonte de informação e instrução a Biblia Sagrada e as palavras de Jesus. Você vai ver o bem que te fará. Você verá o quão mais próximo do Senhor você se achegará. E aí, desintoxicado da Síndrome de Caetano Veloso, veja se estou errado ao afirmar que você conseguirá sentir com muito mais apuro os sabores da glória, do amor e da paz celestiais.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

O que Deus quer da minha vida? Não faço a menor ideia. Mas eu sei muito bem o que EU quero. E eu quero tantas coisas da vida! São muitas, mas vale a pena ler até o final.

Quero ter muito dinheiro. Quero ter carro do ano. Quero ter uma boa casa, com campo de futebol, piscina, sauna e churrasqueira. Quero um apartamento de cobertura com ofurô e salão de jogos. Quero uma casa de campo. Quero passar finais de semana em pousadas frequentadas por artistas em Búzios. Quero ter boas roupas, ternos impecáveis, vestidos deslumbrantes que atraiam todos os olhares. Quero sapatos italianos. Quero ter joias. Quero ter ouro. Quero ter pedras preciosas. Quero uma poltrona que faça massagem. Quero uma TV com muitas, mas muitas polegadas. Quero TV a cabo. Quero high definition.  Quero Blue-ray. Quero um Wii. Quero um Xbox. Quero um Playstation. Quero um sistema de som que estoure meus tímpanos. Quero muitas músicas em mp3. Quero um home theater.  Quero uma guitarra Gibson. Quero uma bateria Pearl. Quero uma internet de banda larga e o melhor notebook do mercado. Quero um iPhone de última geração. Quero um ipad de última geração. Quero um kindle. Quero uma bolsa Louis Vuitton. Quero estar na moda. Quero ir aos restaurantes da moda. Quero os pratos mais caros. Quero um iate. Quero viajar pelo mundo. Quero o mundo aos meus pés. Quero ser famoso. Quero ser reconhecido na rua. Quero dar autógrafos. Quero passar na frente da fila. Quero ser convidado às festas mais badaladas. Quero minhas fotos nas revistas e meu rosto na televisão. Quero ser entrevistado. Quero ser bajulado. Quero ser idolatrado pelas multidões. Quero ser um pop star. Quero ser um músico famoso. Quero brilhar nos palcos. Quero ter meu rosto em outdoors. Quero gravar videoclipes. Quero gravar comerciais. Quero ganhar prêmios, honrarias e comendas. Quero ser chamado de “doutor”. Quero ter um cargo que me dê status na minha igreja. Quero ter muitas oportunidades na minha igreja. Quero pregar como ninguém, pra ser muito elogiado ao final de cada culto. Quero profetizar. Quero ser admirado como o profetão da minha igreja. Quero dar um dízimo alto para o pastor me tratar muito bem. Quero ter um relógio Rolex. Quero um tênis Nike. Quero muitos tênis Nike. Quero ser invejado. Quero ter talento. Quero ser aclamado. Quero deixar um legado. Quero ter um jatinho particular. Quero malhar na academia mais cara. Quero ter um corpo sarado. Quero chamar a atenção. Quero ter um corte de cabelo fashion. Quero ter animais de estimação que me confiram status. Quero lançar livros com meu nome. Quero ser considerado inteligente. Quero ter motorista particular. Quero ir aos melhores cirurgiões plásticos. Quero trabalhar na maior multinacional. Quero ter um salário nababesco. Quero viajar três vezes por ano à Europa. Quero esquiar em Bariloche. Quero um casaco de pele bem caro. Quero ser recebido pelo presidente. Quero morar no melhor bairro. Quero ter amigos lindos e inteligentes. Quero apresentar um programa de TV. Quero ser uma celebridade. Quero ir ao BBB e ganhar o prêmio máximo. Quero depois posar na Playboy e faturar muito. Quero que ninguém seja melhor do que eu. Quero ir à Copa do Mundo. Quero ir às Olimpiadas. Quero ir a shows de camarote VIP. Quero ganhar cadeira cativa no Maracanã e camarote no Teatro Municipal. Quero mesa central no Cirque de Soleil. Quero passar semanas nos spas das estrelas. Quero geladeira frost free. Quero aprender a surfar pra tirar onda. Quero jogar bem futebol pra sempre ser o primeiro a ser escolhido no time. Quero tirar as melhores notas na escola. Quero fazer os melhores cursos. Quero ter um carro conversivel e um off-road. Quero ter uma moto Harley-Davidson. Quero ser rico. Quero ser podre de rico. Quero ser milionário. Quero conquistar o mundo. Quero ser amado e venerado por todos. Quero ser o máximo! Quero ter o máximo! Quero erguer meu trono acima das estrelas de Deus e me assentar no monte da assembleia, no ponto mais elevado do monte santo.

Aí esta semana vi um mendigo sentado no chão imundo de uma rua imunda no Largo do Machado, no Rio de Janeiro. Meu impulso inicial, lógico, foi fingir que não o vi, mas, motivado por alguma razão maior do que eu, parei, dei meia-volta e me agachei ao seu lado. Era um senhor de uns sessenta anos, barbudo, vestido de roupas cor de sujeira e com um cheiro muito, mas muito ruim. Ele estranhou eu ter me abaixado e arregalou os olhos, ajeitando-se um pouco no chão com os cotovelos. Eu me voltei para ele e perguntei:

– Desculpe incomodar, mas eu gostaria de ajudá-lo. O senhor quer algo?

Ele me olhou por alguns segundos, ainda um pouco atônito, piscou algumas vezes e respondeu com uma voz desbotada:

– Quero. Quero que as pessoas vejam que eu existo.

Passei algum tempo conversando com ele. E ele tem nome: é Juraci. Me contou um pouco da sua história de vida. Ficamos uma meia hora conversando. Ao final, paguei a ele um lanche e dei o endereço de uma igreja que sei que ajuda a ressocializar população de rua. Quando me despedi, ele agradeceu a comida sem me olhar nos olhos, acredito que por vergonha ou pelo pouco de dignidade a que ele ainda se atribuía, e me disse uma última frase antes que eu seguisse meu rumo:

– Mas sabe o que eu queria mesmo, seu Mauricio? Eu queria era voltar a ser gente.

Aquela resposta fez com que a única coisa que eu quisesse naquele momento fosse morrer de vergonha por tudo o que eu quero na vida.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.