Deus é perverso

Publicado: 15/11/2011 em Espiritualidade, História da Igreja, Igreja dos nossos dias, Vida eterna

Durante muitos e muitos séculos, um conceito fez parte indissociável do Evangelho: somos todos pecadores, miseráveis, desgraçados, caídos e carecemos desesperadamente de Jesus para não gastarmos os trilhões de anos que virão após nossa morte no inferno e sim na companhia do Senhor. Isso sempre foi óbvio na mente de cada cristão, não tinha nem o que discutir. E a culpa disso sempre foi do homem, nunca de Deus.  Pior: para muitos, ainda era preciso ser muito bom e caridoso e, em casos extremos, em certas épocas da História, o sofrimento e a autoflagelação foram considerados necessários para purgar os pecados desta vida e abrir as portas do Céu. Hoje, em nossos dias, isso mudou.  E como mudou!

Uma enorme parcela da Igreja quer viver o Evangelho como se fosse um resort, com uma vida relaxada, “numa nice”, como dizia a gíria da década de 70, “sem estresse”, “tranquilis”. Deus passou a ser visto não mais como o Justo Juiz, mas como aquele que “sacia-me”, que “restitui, pois eu quero de volta o que é meu”, (músicas que alguém devia proibir de serem cantadas em igrejas) que passa a mão na nossa cabeça e, complacentemente, sorri diante dos nossos maiores pecados e fala: “Deixa de ser bobo, menino, relaxa, para de sofrer, errar é humano. Toma aqui a minha graça. Tá tudo de boa”. Mas a realidade bíblica é bem mais severa do que essa imagem popular e falsa.

Deus é o mesmo ontem, hoje e será para sempre. Ele não mudou nem vai mudar. A exigência de santidade que tinha no primeiro século, quando disse “vai-te e não peques mais” é a mesma de hoje. Infelizmente, a cultura cristã do século XXI construiu a imagem de um Deus tão gente fina que atualmente falar em punição, inferno, julgamento, juízo, exigências e outras realidades totalmente bíblicas faz muitos se arrepiarem – quando não te olham como um ET e acham que você está falando um idioma desconhecido. E se não te chamarem de “fariseu” por defender que “faz o que tu queres pois é tudo da lei” não é uma ideia canônica. E quando falo “muitos” me refiro a Pastores e ovelhas.

Se pregamos que Deus exige obediência aos Dez Mandamentos, que temos de abdicar daquilo que nos é conveniente por amor a Ele, que precisamos fazer qualquer coisa que exija esforço… Somos logo acusados de forjar um Deus mau. Um Deus que não tem graça. Um Deus legalista. Um Deus fundamentalista. Na cabeça de grande parte da Igreja, o Senhor tem uma venda nos olhos chamada “graça” que nos permite seguir o rumo que quisermos e descumprir o que a Biblia ensina, desde que digamos “Jesus Cristo é o Senhor”. Aí tá tudo beleza.

O que muitos não se dão conta é que Deus não pede para cumprirmos Seus mandamentos. Como diz o nome, eles são man-da-men-tos. São ordens. São exigências. Inegociáveis. Deus quer, Deus estipula e Deus determina. A nós cabe obedecer. Só que muitos acham que um Deus bom, um Deus que é amor, jamais diria “não pode”. Mas o texto das Escrituras mostra dezenas de vezes Jesus de Nazaré proibindo e condenando atitudes. Ou seja: não pode! Quando Jesus diz “vai-te e não peques mais”, o que Ele está dizendo é “te perdoei. agora não faça mais aquilo que não pode”. Sim, Deus tem padrões morais, éticos e de conduta e tudo o que vai contra eles, lamento informar… não pode.

Caetano Veloso é quem diz “É proibido proibir”. Na Biblia essa filosofia não existe. Divórcio? Ah, Deus entende. Palavreado torpe? Tranquilo, Deus é dez. Consumo de músicas, programas de TV e filmes anticristãos? Coisinha de nada, seu legalista. Glutonaria? Ahn, isso é  pecado? Olhar de modo lascivo para homens e mulheres? Qual o problema, olhar não tira pedaço. Disseminar discórdias sobre a autoridade eclesiástica e a membresia? Bah, hierarquia na Igreja não existe, e o sacerdócio universal dos santos? E por aí vai. Nós cometemos pecados que do ano 30 da era cristã até mais ou menos 1970 fariam qualquer cristão se arrepiar, cobrir-se de cinza e vestir-se de saco e transformamos numa prática justificável – afinal, a graça de Deus taí pra aliviar qualquer parada, não é isso?

Deus é amor. Deus tem graça. Mas o mesmo Deus é severo e odeia o pecado. Odeia. Quando José é convidado pela esposa de Potifar para fazer sexo, José diz “mulher; como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” (Gênesis 39.9). Repare: José não diz que o pecado é contra si próprio, contra ela ou mesmo contra o que seria o marido traído: é contra Deus.

Mas aí nós, que somos de uma geração que tem a mente encharcada por ideias antibiblicas de pensadores como Bultmann, Nietzsche (foto), Sartre, Freud e tantos outros que questionaram, dilaceraram, remodelaram e relativizaram o Evangelho, carregamos influências confusas. que em nossas mentes e em nossos corações esculpem um Deus que, se exige algo de nós – como, por exemplo, obediência, santidade, arrependimento ou contrição – é mau, perverso, farisaico. Só que, com isso, a  luz de Cristo deixa de iluminar o caminho para a salvação e passa a ser um vaga-lumes que encanta poetas e faz cristãos que estão em pecado se acharem confortáveis na escuridão de suas transgressões.

Eu peco todos os dias. Alguns desses pecados são muito cabeludos. Não teria coragem de confessá-los a Deus de cabeça levantada. Faço coisas que me fazem fitar o chão e ter vergonha de me chamar de “cristão”. Sei que tenho um advogado junto ao Pai, sei que a graça de Deus me redime mediante o meu arrependimento, sei que toda vez que como as bolotas dos porcos o Pai me espera com um anel para o dedo e um novilho cevado para nos banquetearmos. Sei de tudo isso. Você também sabe. Mas o que nunca podemos perder de vista é que quem semeia corrupção na carne colhe corrupção na carne. Que um dia todos daremos conta de tudo o que fizemos e falamos. Que nossas ações geram consequências. E a maior de todas essas consequências é que, como Deus não é mau, cada vez que pecamos achando que Ele vai sorrir e Sua graça vai resolver tudo, nós na verdade o estamos entristecendo, magoando, machucando. A graça de Deus não impede que o Senhor sinta a dor da nossa desobediência. A cada pecado nosso, torturamos Deus. Maltratamos Jesus. Eu já cometi pecados hediondos e, confesso a você, após a minha conversão. O velho homem veio à tona. E me cubro de cinza e pó por causa disso, com as entranhas rasgadas pelo meu arrependimento, desgraçado que sou, filho ingrato de um Pai amoroso. Que Ele tenha misericórdia da minha alma.

Nós consideramos os judeus que armaram contra o Cristo homens perversos. Detestamos Caifás, Pilatos, Judas, os fariseus e os soldados romanos. São gente ruim, que fizeram mal ao Bom Pastor, ao manso Cordeiro. E, no entanto, fazemos com Ele diariamente as mesmas coisas. Impomos sobre Ele o sofrimento e a dor de saber que aqueles por quem tanto sofreu o estão desobedecendo e impondo-lhe mais sofrimento – se não no corpo, no coração. E. se isso por si só não bastasse, em vez de reconhecer nosso pecado o justificamos usando como desculpa logo… a graça do Senhor.

Deus não é perverso. Eu sou. Você é. Nós, cristãos falhos e equivocados, somos. Que pelo menos tenhamos a hombridade de reconhecer isso. E parar com essa mania de achar que, se Deus nos diz que não podemos fazer coisas que ferem a Sua santidade, isso o torna alguém mau. Não. Isso faz dEle alguém justo e coerente.

Deus não tem que se amoldar a seus desejos, vontades e crenças. Eu e você é que precisamos conhecê-lo bem, por meio da Bíblia, para saber exatamente quais são os desejos e as vontades DELE. E assim tomarmos vergonha na cara e começarmos a fazer o que é certo. Isso não é legalismo. Isso não é fundamentalismo. Isso não é biblicismo. Isso não é farisaísmo.

Isso é Cristianismo.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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comentários
  1. Tathiana disse:

    Maurício, seus textos são impactantes e confrontadores, e mais, necessários para nossa caminhada cristã. Crescemos quando saímos da acomodação.
    O que acontece hoje nas igrejas e nas músicas “gospéis” é que pregam um Deus que é nosso servo, que faz o que queremos e quando queremos.

    Dois textos que me fizeram mudar alguns pensamentos:
    1) Quando Deus não Cura
    2) Viver a vida de olho na morte (Ser Cristão É)

    Que o Espírito Santo continue te inspirando, e que os leitores (me incluo) possam praticar o que aprendem com Deus através do Apenas!

    Paz do Senhor Jesus!

  2. Creio que assim como tribulações refinam nossa fé, assim também a obediência refina nosso caráter. Foi isso que levou Jesus a consumar tão grande obra em nosso favor. Se nós soubéssemos pelo menos o que Jesus sabia ali, no alto da cruz, certamente nossa maneira de caminhar com Deus seria bem mais obediente e reta. Quem sabe Ele não sorri para nós? (Sinal de santidade em nós…)

    Em Cristo.

    Elaine Cândida

  3. Eliana disse:

    A paz do Senhor!!!

    Este é um dos seus textos que mais gosto, porque tenho visto tanta gente reinterpretando a Bíblia conforme seus anseios, seus desejos… como se Deus tivesse que se moldar a nós e não o contrário… como se apenas a “boa intenção” do nosso coração nos salvasse, não importando a questão da obediência… e quando falamos sobre isso, muita gente pensa que é legalismo, radicalismo…

    A distorção do cristianismo bíblico que tem aumentado nos últimos tempos só mostra que Jesus está voltando, né?

    Obrigada por mais um post tão edificante! Deus o abençoe!

  4. Lelê disse:

    É Mauricio,
    Cada dia que passa estou mais certa que o pecado que eu cometo, além de colher todas as coisas ruins que ele acarreta, Deus deve olhar do céu, com muita misericórdia e fala: Coitada dessa minha filha perversa, ela não sabe o que faz. E com isso Deus morre um pouquinho denttro de mim.
    Mas logo em seguida, vem o arrependimento, e Deus ressurge.
    É e será uma luta eterna. Até o grande Dia!
    Que por sinal, eu não vejo a hora de chegar, porque estou farta e cansada de lutar!
    Aff..
    Mas Deus sustenta!

    Mega saudade da família!

  5. Graça e paz Maurício.
    Quando eu me converti o evangelho pregado era o evangelho puro e simples, mas no decorrer desses trinta anos quanta coisa mudou. E a mudança começou quando chegou ao Brasil as publicações dos livros de kenneth Hagin, o maior divulgador do evangelho da prosperidade. A partir daí tudo mudou. Vivemos hoje um evangelho que dificilmente o pecador é confrontado a sair da vida de pecado, o que mais temos visto por aí são pregadores que só dizem que Deus é amor e nos aceita como somos, mas não exige mudança. É o famoso evangelho da teologia inclusiva que aceita o homem em sua condição de pecador e permanecer sem mudança de vida, ou seja, sem nascer de novo, sem regeneração. Termos esses que muitos “crentes” desconhecem, pois a muito tempo não se fala em muitos lugares. Como você disse: “Deus não tem que se amoldar a seus desejos, vontades e crenças. Eu e você é que precisamos conhecê-lo bem, por meio da Bíblia, para saber exatamente quais são os desejos e as vontades DELE. E assim tomarmos vergonha na cara e começarmos a fazer o que é certo. Isso não é legalismo. Isso não é fundamentalismo. Isso não é biblicismo. Isso não é farisaísmo”. Isso é conversão!!
    Que a graça do Senhor se renove em sua vida.
    Fique na Paz!
    Pr. Silas Figueira

  6. Vitor Moreira disse:

    Caro Maurício,
    Tenho gostado muito dos seus artigos. Que o Espírito Santo possa te iluminar a cada dia.
    Referiu os 10 mandamentos. Minha dúvida é temos de observar o Sábado? Como?

  7. Re disse:

    estou aos prantos

  8. Teresa Mesquita disse:

    O mundo muda e suas filosofias..Mas Deus permanece o mesmo, ainda bem que é misericordioso, porque se não fosse estariamos perdidos!!

    Muito bom o texto Zagari…Paz..;)

  9. Graça&Paz Mauricio!!

    Deixe-me dizer que já algum tempo venho seguindo este seu espaço e tenho sido ricamente edificado e tenho procurado passar a mensagem de Deus, escrita neste lugar a outro. Deus o continue abençoando neste santo trabalho.

    Quanto a este artigo… bom… como dizia um poeta português(Fernando Pessoa): “Que nojo de mim me fica / ao olhar para o que faço…”
    Precisamos de mensagens como estas para nos dilacerar a alma e o espírito à luz da Palavra de Deus, que transforma e provoca em nós ódio pelo pecado em nossa vida.
    Você escreveu artigo “Estou farto” é isso mesmo estou farto de ouvir chamar as regras de Deus farisaísmo. O problema é que esses também têm regras para a vida material/secular e não pensam que seja farisaísmo. Malditas ideologias que nos desgraça e destrói.

    Um grande abraço e que o Senhor seja contigo.

  10. Dayane disse:

    Nada que você falou é mentira, mas…

    Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres. João 8:36

    Aquele que realmente é convertido e nasceu de novo não vive no pecado e não encontra dificil obedecer os mandamentos, por que se Cristo está nele e ele em Cristo, assim a vontade que ele tem é fazer a vontade de Deus.

    Ir para igreja não é se converter, e o problema é que muitas pessoas estão na igreja e não tem idéia de quem é Jesus e nunca teve um relacionamento de verdade com Ele, isso mais que um problema de liderança da igreja é questão de maturidade.

    Tudo tem seu tempo e nem todas as pessoas estão maduras o suficiente para viver na plenitude a Palavra de Deus, críticar pessoas é muito fácil, mas a mudança e transformação de vidas não vem com críticas e sim com discipulado.

    Deus te abençõe,

    Dayane

  11. Maurício,
    Como é difícil reconhecermos quem somos, mas ao mesmo tempo, como é fácil vivermos essa vida corrompida, para tudo temos uma resposta cristâ, e se o Espírito vem nos confrontar, logo achamos que estamos muito legalistas, mas ainda temos tempo para observarmos a Palavra e andarmos em acordo com ela… obrigada por nos trazer isso a memória…
    Deus continue contigo e te abençõe!!
    Beijos…

  12. Fabiano disse:

    Ótimo post, Maurício!

    Já escrevi uma vez sobre esta questão de tratarmos o pecado com certo descaso, fazendo analogia com um filme.

    Se me permite, o link post é este:
    http://valoresdoalto.blogspot.com/2011/04/risco-duplo.html

    Abraço! #DTA

  13. Ana Carolina disse:

    Amigo, esse Deus perverso da Bíblia deve ter tido lá os seus motivos num tempo que não podemos compreender. Mas não creio em Deus perverso, creio em alterações na Bíblia, isso, sim. Quem escreveu a Bíblia a escreveu de acordo com as necessidades da época. Assim como a parte em que manda a mulher trabalhar de noite e de dia e nunca se cansar e outras tantas histórias. Não creio em Deus cruel. creio em Deus justo. Quem sofre é porque trouxe consigo o pecado de outras vidas, eu creio nisso. Se você fez aqui e foi-se dessa numa boa. Voltará de modo inverso. ATé cessarem todas as nossas dívidas. Ninguém aprende se não viver na própria pele. Não existe como aprender. Quando temos compaixão de alguém, perdoamos esse alguém, estaremos diminuindo o seu carma e o nosso próprio, pois ele não deve a Deus e sim a nós, quando perdoamos cessamos o nosso carma, pois se viemos para ser o algoz de alguém, esse alguém também precisa ter chances de salvação. Não creio em infernos, creio em lugares onde nos leva a nossa percepção, a nossa crença. É a lei da ação e reação. DEus nos fez livres para fazer o que quisermos, mas só devemos ir até onde está o direito do outro. se ultrapassarmos esta barreira, ficamos em débito. E geralmente pagamos na mesma moeda. Isso não é castigo, é a lei do universo. Todos pagam. Mesmo que seja sem saber, nascendo novamente com condições para se lapidar. O perdão é muito importante para que a pessoa diminua o seu carma.

    • Olá, Ana, tudo bem?
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      respeito sua crença, querida, mas como minha fé é regida pela Bíblia, não tenho como crer na lei do Karma ou em reencarnacao. Simplesmente porque se fossem verdade o sacrifício vicário de Jesus não faria sentido, além de as Escrituras dizerem que só se vive uma vez, vindo após isso o juízo.
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      Deus abençoe muito você e sua família e que tenham um Natal cheio da graça do Senhor,
      mz

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