Por que Deus quis escrever a Bíblia?

Publicado: 18/07/2011 em Espiritualidade, Igreja dos nossos dias

Você já parou para pensar a razão de Deus ter escolhido justamente um livro como forma de perpetuar sua revelação específica? Ele poderia ter optado pela tradição oral ou por uma série de outros meios, mas não: o Todo-Poderoso quis se revelar por meio de tinta no papel. Será que isso não nos diz nada?

Claro que quando falo “livro”, devemos lembrar que os manuscritos originais (os “autógrafos”) não foram livros como os conhecemos hoje (formato historicamente chamado de “códice”). As cartas e os textos originais em que as verdades sagradas foram registradas eram provavelmente pergaminhos feitos de plantas ou superfícies elaboradas com couro de animais – a tecnologia disponível na época em que cada texto foi escrito – e em formato de rolos enormes. Mas, independente do formato, entendemos que o recurso de registro daquilo que o Autor da Biblia escolheu foi tinta sobre uma superfície. O que hoje e por muitos séculos ganhou o formato que conhecemos por livro.

Reconhecido isso, voltamos à questão inicial: por que um livro? Quando analisamos a importância da literatura ao longo da História, começamos a achar pistas que responderiam essa pergunta.

1. Livros provocam reflexão. Leitura exige silêncio e concentração. Para ler é preciso uma certa introspecção, distanciamento de vozes e ruídos externos. Por isso mesmo, ler nos leva a um isolamento do mundo exterior, o que proporciona reflexão. E o Evangelho exige reflexão, uma vez que se espera que o leitor receba a mensagem, pense e, ao ser tocado pelo Espirito Santo, mude suas atitudes. Logo, o livro é o melhor meio de transmitir uma mensagem destinada a mudanças de vida, de valores e de atitudes.

2. Livros são acessíveis. O texto escrito nos permite voltar a ele quantas vezes quisermos. Se Deus tivesse escolhido, por exemplo, transmitir sua revelação por meio de uma casta de homens que decorassem as palavras sagradas e as declamassem do alto de um minarete diariamente não poderíamos recorrer quando quiséssemos a esses homens. Livros estão à mão. Podemos buscá-los a cada momento que quisermos em busca de comunhão, esclarecimento, respostas, consolo, exortação. Por isso a tradução do texto bíblico para a língua do povo a partir dos originais grego, hebraico e aramaico e, posteriormente, do latim foi tão importante: permitiu que eu e você tivéssemos acesso fácil, rápido e ilimitado às palavras inspiradas.

3. Livros viajam. No meio editorial existe um jargão que se refere ao potencial que um livro tem de alcançar o maior número possível de pessoas. Quando um editor de livros pergunta “esse livro viaja?”, o que ele quer saber é se aquele livro tem potencial de permanecer sendo lido por muito tempo, de ser traduzido em outras línguas etc e assim alcançar muitos leitores. A Biblia em formato de livro tem esse potencial. Ela ultrapassa fronteiras. Ela passa de pai para filho. Ela perpetua seu conteúdo.

4. Livros não erram. Todo mundo já brincou de telefone sem fio. Palavras ao vento são passíveis de erros, de gafes, de falhas. Mas o preto no branco é imutável, está ali, registrado. Naturalmente, é possível haver equívocos na copiagem ou na tradução, mas aquilo que uma vez está registrado não se altera. É fonte segura.

5. Livros só se perpetuam se o conteúdo for relevante. Se um livro tem conteúdo irrelevante ele vai deixar de ser editado, não será reeditado, ninguém mais o venderá nem comentará sobre ele e essa obra se perderá na história. Então, inversamente, se algum livro chegou até as suas mãos décadas ou mesmo séculos após seu lançamento você pode ter certeza de que contém um conteúdo que pelo menos vale a pena ser lido – mesmo que você discorde dele. Por isso é tão importante ler obras que tenham cinco séculos de vida ou mesmo textos como “Confissões”, de Agostinho de Hipona, escrito há 1.600 anos. E o conteúdo da Bíblia dispensa comentários, por isso a tamanha difusão.

Deus não escolheu por acaso a tecnologia literária para se revelar. Ele escolheu o recurso mais eficiente e transformador.  Por isso, ter um livro em mãos é uma honra. Poder segurar uma obra que atravessou os séculos mudando e influenciando vidas é um privilégio. Livros são tesouros.

Diante dessa realidade, confesso que me assombro ao ver quão pouco o povo de Deus lê. Embora o índice de leitura estatisticamente seja maior no Brasil entre evangélicos do que entre membros de outras religiões, ainda assim é irrisório. E, quando lemos, muitos de nós preferem ler bobagens de autoajuda gospel, textos sobre vitória, relatos fantasiosos sobre batalha espiritual, obras escritas por aquele pastor ou aquela pastora que aparece na televisão… e ignoramos tesouros da literatura cristã. Temos à disposição pérolas da teologia bíblica, como “A imitação de Cristo”, de Tomás-à-Kempis; “As Institutas”, de Calvino; as obras de Dallas Willard, John Piper, Sam Storms, Richard Foster, Alister McGrath e tantos outros que têm dado brilho ao pensamento teológico e devocional… mas damos preferência a certas leituras que valem menos que palha.

Outro problema é que, do tempo escasso que temos ao nosso dispor, preferimos gastar horas e horas e horas assistindo a programas de televisão que não servem para absolutamente nada. Nada! Chega a ser risível. A televisão é um meio que não gera frutos, se formos pensar epistemologicamente. Meu Deus, o que nossos cérebros fizeram de errado para lhes impinjamos tamanho castigo? Me perdoem os amantes da TV, mas não consigo supor que se Deus fosse transmitir sua revelação nos nossos dias ele faria num teledocumentário. Ou uma minissérie. Simplesmente porque programas de TV não promovem nenhuma reflexão. Nenhuma mudança de vida. Nenhum avanço. Nenhuma revolução. Nenhuma transformação. Nada, nada, nada. São mero entretenimento feito para ser esquecido.

Somos uma civilização encantada pela irrelevância. Faça um exercício de memória e tente imaginar a quantidade de assuntos diferentes que passaram diante de seus olhos na tela da TV durante, digamos, uma semana. Experimente, faça isso ag. Eu espero.

Pensou?

Conseguiu lembrar?

Se por acaso foi capaz de lembrar de algo, rsponda agora: quantos desses assuntos de fato são importantes? Quantos enlevaram sua alma? Quantos fizeram você ajudar mais o próximo? Quantos fizeram de você uma pessoa melhor? Quantos te fizeram menos carnal e mais espiritual? E, tá bom, esqueça o aspecto espiritual: quantos tiveram qualquer importância de fato na sua vida? Ou foram apenas um monte de entulho de imagens e sons que invadiram sua mente e não produziram nenhum benefício?

Muitos de nossos pastores estão deixando de ler. Com isso, põem de lado a pregação das verdades fundamentais da fé para desperdicar preciosos momentos de pregação falando sobre  aquilo que está na pauta dos telejornais e programas de debate de auditório. Como não têm substância, não pregam pão, pregam jujubas. Esquecemos da relevância do que foi consagrado no livro para a irrelevância do que está sendo explorado na TV.

Fico imaginando Deus ouvindo as conversas do seu povo e pensando que teve tanto trabalho para perpetuar suas verdades por um meio tão fantástico como um livro e agora os que se chamam pelo seu nome pautam o diálogo pelo que veem entre um plim plim e outro. Com uma Igreja formada no máximo por má literatura ou horas e horas de TV, não é de se espantar que o meio evangélico esteja tão cego, surdo e nu como está hoje. O que nos espera? Tenho até medo de pensar.

A boa notícia é que esse quadro pode ser revertido. Para isso, precisamos passar menos horas na frente da televisão. E passar mais tempo lendo bons livros. Deixar de consumir audiovisuais prontos e mastigados e absorver aquilo que faz nosso cérebro se desenvolver. Temos que ler mais. Pensar mais. Malba Tahan já dizia que “quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê”. Imagine então isso aplicado à nossa vida espiritual.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

comentários
  1. Deivison disse:

    Muito legal a reflexão, Maurício.

    Eu sempre gostei bastante de ler, mas mesmo assim em toda minha caminhada cristã, aproximadamente desde os 8 anos de idade, eu li muita bobagem como autoajuda, batalha espiritual e afins.

    O que me preocupa é que sempre fui orientado pelos meus líderes a ler esse tipo de literatura, ou seja, a má orientação é um grande problema. Eu era membro de uma igreja participante do M12, e toda literatura recomendada era algo relacionado aos autores que fazem parte do movimento. Lembro que até pouco tempo atrás pedi orientação nesse sentido pra ti através do Twitter e fui prontamente atendido.

    Acredito que tenho caminhado mais tranquilamente na literatura cristã desde então, procurando autores que resistiram ao teste do tempo como: Jonathan Edwards, Calvino, Spurgeon… mas aí me deparo com uma discussão que nunca houve nos meus círculos: calvinismo x arminianismo.

    Sinceramente, eu creio que de um modo geral há muitos líderes despreparados e também há uma certa negligência de todos nós de estudar mais a palavra para evitar andar por caminhos perigosos. Enfim, tenho aprendido bastante.

    • Teu problema é consequencia da modernidade, Deivison. Nossos dias infelizmentes trazem modismos e males.
      Leia os classicos. Fuja dos autores da moda. Busque os que escreveram antes que fossem inventadas todas as bobagens e os exageros da Teologia da Prosperidade, da Confissão Positiva, do Neopentecostalismo. E aí vc lerá bem. E crescerá na fé de maneira sólida.

      Abraço forte.

  2. Alex Nascimento disse:

    É como sempre um texto inspirado. Realmente não há como não ler a biblia, que foi propositalmente inspirado por Deus, uma maneira pra que tudo que precisamos pra viver ficasse gravado pra sempre. Infelizmente nao muito usado hj, ou trocado por coisas futeis, por pessoas que se dizem usadas por Deus, nao damos o verdadeiro valor para algo tao valioso. Otimo texto. Parabéns mano, aquele abraço.

  3. dd disse:

    A reflexão acerca da importância da leitura atravessou os séculos e as áreas do conhecimento. O filósofo iluminista Voltaire, por exemplo, viu que ‘a leitura engrandece a alma’… mas se, reafirmando Pessoa, ‘ler é sonhar pela mão de outrem’, desejo que a leitura da Bíblia nos permita sonhar os sonhos que nasceram nas mãos de Deus pra nós.

    Belo texto, Maurício.

    Michelle.

  4. Foi uma aula e tanto! Só lastimo que muitos que precisariam ler
    essa mensagem, não o farão (pelo óbvio).
    Mas, (como educadora) eu nunca irei desistir de buscar
    de alguma forma essa “turma” que prefere a “caixa que fala”
    a uma boa leitura.
    Que Deus continue usando meu amado irmão!
    abraços,
    Soraya Barros

  5. Regina disse:

    Ontem tentei deixar aqui um comentário mas minha internet oscilou, caiu, e perdi o link.
    Engraçado que foi pra dizer que, por uma “jesuscidência”, 🙂 tinha decidido fazer o que vc sugere: manter a leitura da Bíblia (em casa, porque tb leio no ônibus indo pro trabalho, via smartphone, o que não é a mesma coisa) e os bons livros, muitos deles lidos pela metade, guardados na estante em lugar das horas na rede. Seu texto, sempre maravilhoso, veio dialogar com meus pensamentos.

    Muito bom! Pregar jujuba é perfeito – e, pior, muitos pregam com preço$$$ pendurados nos pacotes rsrsrs

    Abços, Maurício 😀

  6. Elza Pereira da silva disse:

    JÁ OUVI DE ENSINO TEOLÓGICO EVANGELICO QUE A BÍBLIA NÃO E FATO HISTÓRICO, MAS UMA LENDA JUDÁICA, PRINCIPALMENTE O ANTIGO TESTAMENTO. COMO PODEMOS REFUTAR ISSO? OBRIGADA.

    • Elza, argumentos não faltam.
      Mas o principal, o que interesa a nós, cristãos, não interessa a quem diz isso: fé. Eu creio por um milagre, pois o E. Sto me convenceu disso. Deus nos estendeu sua graça e pela fé recebemos o Cristo, que nos reconciliou com o Pai.
      A Biblia diz: as ovelhas conhecem a voz de seu pastor. Para quem não é ovelha dEle não há argumentos.
      Não tente convencer ninguém. Pregue a Palavra e aqueles que forem tocados pelo Espírito a terão como verdade. Os que não forem… bem, lamentemos por seu destino eterno.

      Deus te abençoe!

  7. Ler é bom demais.
    Se quero ser abençoado leio bons livros devocionais.
    Se quero conhecimento, leio bons livros teológicos.
    Se quero diversão, leio gibi rs.
    Se quero ficção, leio os livros da série geração ação que por sinal são muito bons rs.
    Um abraço queridão, voce é uma benção.
    Fica em paz!

  8. Daniel disse:


    Dá uma olhada nesse video.
    ótimo texto

  9. Daniel Pontes disse:

    Maurício,gosto muito do seu blog.Agradeço a Deus por existirem pessoas como você, que são tão apaixonadas por ele.
    Gosto muito de ler seus textos.
    Queria lhe mostrar mais um video.
    Desculpa se estiver sendo chato.

  10. Marcelo Freitas disse:

    Paro pra comparar minha forma de pensar pré-Bíblia e pós-Bíblia .. se eu soubesse que me faria um bem tão grande abrir mão dessa herança cultural anti-literária pra examinar as Escrituras, teria começado desde pequeno =] E não só espiritualmente falando (que é o principal), mas em termos de sabedoria, consciência e interpretação também.

    A grande diferença é que não é só letra (a depender de quem lê, é claro), mas Deus em Letra, o Verbo da Vida transcrito. E Isso tudo vai muito além de, apenas, tinta no papel, pois, lendo a Bíblia, internalizamos a Boa Palavra, gravando-A nas paredes do coração, dando bons frutos.

    Deus te abençoa, mano =]

    nEle, que traduz a Bíblia na linguagem do meu ser.

  11. Bianca Dias disse:

    Mauricio,

    com certeza já leu sobre esse livro do Agostinho não é? é uma boa dica?

    Apaz!!!!

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