Sempre que minha filha chega da escola, tenho por hábito perguntar como foi seu dia. Quando faço esse questionamento, o que espero ouvir geralmente são informações sobre o que ela aprendeu na aula de alemão, como transcorreu a ginástica artística, que músicas novas foram ensinadas na classe de música, esse tipo de coisa. Eu costumava achar que esse tipo de perguntas, a respeito de “acontecimentos”, era o que de fato importava. Para minha surpresa, porém, comecei a perceber que sempre que eu perguntava “como foi o seu dia?” ou “o que aconteceu na escola hoje?”, o que ela invariavelmente respondia era algo a respeito de pessoas.
– Bebê, como foi a escola hoje?
– Papai, a Sophia bateu no Emanuel.
– Que triste, filha. E o que você fez hoje em sala?
– Brinquei com a Clara e com a Bárbara.
– E na aula de educação física, o que você fez?
– Joguei bola com o Thomas e com a Marina.
E por aí vai. Enquanto minha expectativa de adulto é que ela relate como foram as atividades, os eventos, os fatos e as situações, invariavelmente tudo o que ela responde tem a ver com pessoas. Quando percebi isso, me dei conta de que, para uma criança despida de toda a influência social a que nós, adultos, estamos sujeitos, o mais importante são as pessoas e o relacionamento com elas. Ao refletir sobre isso, vi que minha filha, em sua simplicidade, está muito mais perto do entendimento do reino de Deus do que eu. Pois o reino do nosso Senhor não é constituído de castelos, vilas, campos, rios e florestas, mas de gente.
Essa percepção muda tudo. Muda o que pensamos, falamos e fazemos, nossas atividades e prioridades, nossa rotina e nossos planos… muda tudo. Tudo. Compreender que o reino de Deus é formado por pessoas nos leva a administrar nosso dinheiro pensando no bem das pessoas, a escrever livros pensando nas pessoas, a ir para a igreja desejando nos relacionar não só com Deus, mas com as pessoas, a trabalhar pensando em como abençoar pessoas, a ser gentil no trânsito e nas disputas entre pessoas, a dialogar com pessoas diferentes alicerçado na verdade, na cordialidade e na paz. Em suma: atentar para a importância dos relacionamentos nos faz viver com o coração em Deus, mas transbordando para o próximo.
Entender que o reino de Deus é formado por pessoas faz o lema de nossa vida ser as palavras de Cristo: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12). O reino de Deus é relacional. Igreja sem relacionamentos sólidos e firmes não passa de uma agremiação social. Temos de olhar para o próximo e compreender que o reino de Deus tem a ver com o Senhor e com o outro. “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que aquele que ama a Deus ame também a seu irmão” (1Jo 4.20-21).
Um dos grandes erros de parcela da Igreja é achar que cristianismo é só sobre Deus. Não é. É sobre Deus e o próximo. Isto é: pessoas. “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc 12.30-31).
Sim, fazer tudo para Deus e ignorar as pessoas não é amar a Deus. O Senhor só é glorificado quando o próximo é amado. Fora disso, não há reino de Deus.
Peço ao Senhor que consigamos viver como minha filha vive: entendendo que a pergunta “Como foi o seu dia?” deve sempre ser respondida com nomes e não com fatos. Oro ao Senhor que consigamos viver com foco nos relacionamentos – com Deus e com gente. Que entendamos que o reino dos céus tem a ver com Javé mas, indispensavelmente, também com Sérgio, Maria, Ana Paula, Marcos, Antonio, Shirley, Beto, Luís, Cláudia, Daniela, Manuel, Geraldo, Irene… Só desse modo viveremos um evangelho pleno, vivo, consequente e que honra e glorifica nosso Senhor.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício Zágari < facebook.com/mauriciozagariescritor >